Entre porcos e cobras, trabalhador é resgatado da escravidão no Pantanal
Nem todas as fazendas de gado contam com as condições e os alojamentos garantidos pelo pecuarista José Leôncio, interpretado por Marcos Palmeira, no remake da novela Pantanal, da TV Globo. Um trabalhador que dormia em um chiqueiro de porcos foi resgatado de condições análogas às de escravo no Pantanal sul-mato-grossense, às margens do rio Paraguai, perto de Corumbá. Nos mais de dois meses que ficou alojado no local, recebeu a visita de jararacas, sucuris e urubus. Só não viu salário.
O caso foi descoberto pela Polícia Civil, que, no curso de outra investigação, o encontrou com sua companheira no final de maio. O proprietário da área, Carlos Augusto de Borges Martins, foi preso em flagrante e, depois, solto sob fiança. A coluna tentou contato com o pecuarista, mas não conseguiu. Tão logo tenha um posicionamento, ele será aqui publicado.
Uma fiscalização da Inspeção do Trabalho e da Polícia Militar Ambiental foi à fazenda. O trabalhador já está em um lugar seguro, mas a negociação com a fiscalização para o pagamento dos direitos continua, uma vez que o empregador não reconhece o vínculo.
Devido ao forte vento e à chuva, a permanência no chiqueiro ficou insuportável com o tempo. Mas, segundo o trabalhador, o proprietário afirmou que eles não poderiam deixar o local por estarem devendo R$ 2 mil referentes à alimentação.
Ele declarou que durante os mais de dois meses que permaneceu no serviço, não recebeu remuneração alguma e não teve sua carteira assinada. Pelo contrário, os produtos alimentícios (arroz, feijão e macarrão, sem direito a carne) entregues serviam para aumentar a dívida com o empregador.
Dada a ausência de banheiro, as necessidades fisiológicas eram feitas no mato e o banho, em um local improvisado, usando um balde com a água do rio. A jornada era diariamente das 6h30 às 17h.
Como a fazenda só pode ser alcançada de barco a partir do porto de Corumbá (MS), o trabalhador dependia do patrão para receber comida. Segundo a fiscalização, isso nem sempre acontecia, o que o levou a depender de doações de vizinhos para sobreviver.
De acordo com o auditor fiscal do trabalho André Kempf, que participou da ação, surpreendeu a proximidade com a cidade (cerca de 10 minutos de lancha) diante da gravidade da situação. “Vemos situações graves ocorrendo mais distantes. De onde eles estavam, dava para ver a cidade.”
O trabalhador vai receber três parcelas de um salário mínimo por conta do seguro-desemprego especial para os resgatados de condições análogas às de escravo.
Trabalho escravo no Brasil hoje
Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
O grupo especial móvel de fiscalização, que completou 27 anos neste mês de maio, é a base no combate a esse crime no país.
Os mais de 58 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.
Fonte: Leonardo Sakamoto, colunista UOL