Artigos de menuUltimas notícias

Governo divulga nova Lista Suja do trabalho escravo e JBS Aves fica de fora

Cadastro oficial de empregadores responsabilizados por trabalho escravo foi atualizado nesta segunda-feira (6) pelo Ministério do Trabalho e Emprego

Governo divulga nova Lista Suja do trabalho escravo e JBS Aves fica de fora

O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) divulgou nesta segunda-feira (6) a nova atualização da chamada Lista Suja do trabalho escravo. A relação é marcada pela ausência da JBS Aves, responsabilizada em abril deste ano por trabalho escravo após o resgate de dez trabalhadores submetidos a condições degradantes na coleta de frango em uma granja em Arvorezinha (RS). Uma decisão individual do ministro Luiz Marinho suspendeu a companhia do cadastro.

A atualização desta segunda-feira traz 159 novos nomes, responsabilizados por manter 1.530 trabalhadores em condições análogas à escravidão. O cadastro do MTE aponta a inclusão de 37 empregadores da agricultura, 27 pecuaristas, 15 da construção civil, 15 do trabalho doméstico, 11 ligados à produção de carvão vegetal, entre outros setores. Com a atualização, a Lista Suja chega a 691 nomes. Confira o cadastro na íntegra.

O estado com maior número de novos empregadores é Minas Gerais, com 33 registros, seguido de São Paulo (19), Mato Grosso do Sul (13) e Bahia (12). Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro e Paraíba aparecem com oito casos cada. Pará, Rio Grande do Sul e Distrito Federal tiveram sete inclusões cada. Paraná e Goiás registraram cinco casos cada.

O cadastro oficial do governo federal lista pessoas físicas e jurídicas responsabilizadas por trabalho escravo, após exercerem o direito de defesa na esfera administrativa em duas instâncias. Os empregadores permanecem na lista por dois anos, mas podem ser retirados antes caso firmem acordo com o MTE, quando passam a integrar uma lista de observação.

Auditores fiscais consideraram JBS Aves responsável; ministro suspendeu entrada da empresa na Lista Suja

No caso em Arvorezinha, os dez trabalhadores chegavam a trabalhar 16 horas diárias, o que levou alguns deles ao hospital por esgotamento físico, segundo a fiscalização. Os trabalhadores também teriam sido vítimas de dívidas ilegais decorrentes de despesas com transporte e alimentação.

Embora os funcionários fossem terceirizados, os auditores fiscais do Trabalho consideraram a unidade da JBS Aves de Passo Fundo (RS) a “principal responsável” pelas infrações, já que a companhia exerceria controle total sobre a operação da apanha de frango.

A inclusão da JBS Aves na Lista Suja, porém, foi suspensa por decisão do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que avocou (chamou para si) a responsabilidade sobre o processo. Apesar de previsto pela CLT, a avocação nunca havia sido usada por um ministro desde a criação da Lista Suja, em 2003.

Em protesto, 19 auditores do MTE deixaram cargos de coordenação regional de combate ao trabalho escravo, no ofinal de setembro. Na semana passada, a Justiça do RS determinou que a JBS Aves adote uma série de medidas para coibir trabalho escravo em granjas do estado.

Apesar da intervenção do ministro, a MRJ Prestadora de Serviços, responsável pelos trabalhadores resgatados em Arvorezinha, entrou para a Lista Suja. Procurada, a empresa não respondeu até o momento.

Já a JBS declarou que a MRJ ”está bloqueada pela Seara e não trabalha para a empresa desde que a Companhia tomou conhecimento das denúncias.”

“A Seara tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”, diz a nota enviada à Repórter Brasil.

A respeito da avocação do ministro, a JBS declarou anteriormente que os autos de infração aplicados pelos auditores ainda estão em discussão na esfera administrativa, “sem conclusão definitiva”. Disse ainda que a granja não trabalhava com exclusividade para a Seara.

Outro fornecedor da JBS Aves entrou para a Lista Suja: Vilson Aguiar Ribeiro. De acordo com auditores fiscais do MTE, ele teria oferecido ocupação a um trabalhador em troca de comida e moradia em uma granja fornecedora da Seara em Nova Ponte (MG).

O empregador não foi localizado até o fechamento desta reportagem.

A JBS disse que a fazeda Santana, pertencente a Vilson Aguiar Ribeiro, “foi automaticamente bloqueada pela Seara com a divulgação da atualização da Lista Suja do Trabalho Escravo, em conformidade com a Política de Compra Responsável de Matéria-Prima e com os protocolos setoriais”.

Trabalho escravo no Lollapalooza 2023

Outro nome inserido na Lista Suja é o da Ozone, antigo nome da empresa Yellow Stripe. Contratada pela T4F Entretenimento, organizadora do Lollapalooza, para carregamento de bebidas no festival de 2023, a empresa foi autuada por auditores fiscais do Ministério do Trabalho por submeter cinco trabalhadores a condições degradantes.

Sem registro, os funcionários atuavam por cerca de 12 horas diárias no manejo de bebidas e depois eram obrigados a permanecer no local para vigiar os estoques, ficando à disposição da empresa por 24 horas seguidas, de acordo com a fiscalização do MTE.

Procurada, a Yellow Stripe manifestou “posição inequivocamente contrária à inclusão de seu nome” na Lista Suja e disse que já está contestando o fato na Justiça. A empresa disse ainda que uma outra ação civil pública chegou a “conclusões que desconstroem as premissas de gravidade que poderiam justificar o reconhecimento de trabalho análogo ao de escravo”. Leia a manifestação na íntegra.

A T4F, por sua vez, não respondeu. Na época, a T4F declarou à Repórter Brasil que a prática de dormir no local era “terminantemente proibida” pela empresa e que, após a constatação dos auditores, rescindiu imediatamente o contrato com a empresa, então chamada de Yellow Stripe.

Paraguaios resgatados na mandioca

Quatro empregadores que atuavam no cultivo da mandioca em fazendas do Paraná e de Mato Grosso do Sul tiveram também seus nomes incluídos na Lista Suja, após resgates em novembro de 2024. Foram resgatados 57 trabalhadores paraguaios e quatro adolescentes brasileiros ao todo.

Na Fazenda Santa Mercedes, em Alto Paraíso (PR), onde sete trabalhadores foram encontrados pelos auditores fiscais do MTE, os colhedores recebiam cerca de R$ 200 por semana, quando a produção rendia até R$ 900, de acordo com o relatório de fiscalização. O restante do valor era retido para abater dívidas com transporte, alimentação e EPI, situação caracterizada como servidão por dívida e sinônimo de trabalho escravo no Brasil.

O empregador Kaio Cesar Rodrigues Rubio foi autuado e teve seu nome incluído na Lista Suja. Procurado, ele não respondeu até o momento.

No Sítio Garoa, em Tapira (PR), o acesso a um dos alojamentos improvisados era por um chiqueiro. Outro local que servia de abrigo aos trabalhadores estava com grandes rachaduras nas paredes, e iminência de desabar, conforme informações do relatório de fiscalização. Crianças que vieram com os pais dormiam em alojamentos compartilhados, em condições insalubres.

Já em Tapira (PR), o empregador Alexsandro Marcoti entrou na Lista Suja por manter 19 trabalhadores em condições análogas à de escravo, entre eles um adolescente. Crianças viviam com os pais em alojamentos compartilhado de condições insalubres, segundo a fiscalização. Procurado, Marcoti não respondeu até o momento.

Nos dois casos, os auditores configuraram tráfico de pessoas, que ocorre quando há coerção de pessoas ao trabalho forçado.

E em duas fazendas do Mato Grosso do Sul, além de quatro adolescentes brasileiros, foram resgatados 31 indígenas paraguaios.

(Gráfico: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

O que é a Lista Suja?

Criada em novembro de 2003, a Lista Suja é atualizada semestralmente pelo governo federal. O cadastro não gera punições aos empregadores, mas é usado por empresas, bancos e setor financeiro para gerenciamento de risco. É considerado pelas Nações Unidas um dos mais relevantes instrumentos de combate ao trabalho escravo no mundo.

A Lista Suja é o cadastro oficial do governo federal que reúne os nomes de empregadores flagrados mantendo pessoas em condições análogas à escravidão. O cadastro é coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e funciona como uma forma de dar transparência à sociedade sobre quem já foi responsabilizado por esse tipo de violação. A cada atualização, empresas e pessoas físicas que tiveram decisões administrativas concluídas aparecem na relação.

Para que um nome entre na lista, é preciso que fiscais do trabalho tenham realizado uma operação, lavrado autos de infração e concluído o processo administrativo, assegurando o direito de defesa do empregador. Só depois desse trâmite é que o caso se torna público. O nome fica na lista por, no mínimo, dois anos, período em que a empresa ou a pessoa precisa cumprir todas as obrigações determinadas pelo governo, como pagamento de multas e indenizações aos trabalhadores resgatados.

A publicação da lista tem efeitos diretos no mercado. Bancos públicos e privados, além de grandes compradores de commodities, usam o cadastro como critério para restringir crédito e romper contratos com empregadores que aparecem na relação. Assim, além de informar a sociedade sobre casos de trabalho escravo, a lista também funciona como um instrumento de pressão econômica para que empresas e produtores adotem melhores práticas e respeitem a legislação trabalhista.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir trabalho escravo no Brasil: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir); servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas); condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida); ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida). A presença de apenas um dos elementos já configura trabalho escravo.

Fonte: Repórter Brasil no ICL Notícias