Movimento busca incluir o sonho como direito básico
Em julho de 2022, Myrian Castello escreveu um artigo para ECOA contando o seu trabalho para incluir o sonho na Constituição brasileira. Três anos depois, ela e todo o movimento que se construiu ao redor dessa ideia conseguiram o que muitos diriam ser quase impossível: a atenção de Brasília e um lugar na disputada agenda do Congresso Nacional.
Homologada na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição – PEC, precisa de 253 assinaturas de apoio para avançar na Casa. O que era uma intenção até outro dia, agora é um documento concreto na mesa de parlamentares. Assim como são concretos os benefícios de uma mudança como essa, explica Myrian.
“Transformar o sonho em direito significa que o Estado brasileiro precisa assumir o compromisso de criar condições para que todas as pessoas possam sonhar e realizar seus sonhos, independentemente de origem, gênero, cor ou classe social”, diz a ativista.
Ou seja, “quer dizer termos políticas públicas que ampliem referências, possibilidades e oportunidades, especialmente para quem mais teve seus horizontes limitados”. Sabemos quem são.
Sonhar é entender que aquele caminho existe
Em sua já longa trajetória em projetos com escolas e organizações sociais pelo país e na América Latina, Myrian conta que percebe o quanto crianças e adolescentes, em especial, são afetados por essa falta de perspectiva, possibilidades e de exemplos reais em seu cotidiano. É mais fácil imaginar aquilo que a gente sabe que existe.
“Há crianças que crescem sem nunca terem ouvido que podem ser cientistas, artistas, empreendedoras, líderes, sem nunca saber disso. Há adultos que deixaram de sonhar porque foram ensinados a sobreviver, não a imaginar”, explica.
Por isso, a ativista afirma que o ato de sonhar, que é o exercício de imaginar o que pode vir a ser, precisa deixar de ser privilégio de alguns poucos que conseguem driblar a gestão das urgências e passar a ser reconhecido como direito que estrutura todos os outros.
“Assim como educação, saúde ou liberdade, o direito de sonhar é essencial para o desenvolvimento humano”, defende, enquanto aponta alguns exemplos de como isso se daria.
Uma grade curricular exclusivamente voltada ao tecnicismo, com pouco espaço para a elaboração do pensamento, para o exercício de fabulação ou para a pesquisa de referências representativas é uma educação que não alimenta o sonho como um direito humano, na leitura de Myrian.
Ela defende que o país precisa de “uma educação que vá além do conteúdo técnico e que ensine crianças e jovens a imaginar, criar e construir propósito”. Sonhar mora naquilo que eu posso fazer com que eu acabei de aprender.
E para quem diz que essa história toda é distante demais das nossas vidas?
Myrian afirma que entende. Que num mundo de tantas urgências, ver um grupo de pessoas lutando para colocar uma emenda à constituição que traz o sonho como direito universal de um povo, pode até parecer meio deslocado. Mas ela e outras centenas de pessoas do movimento que criaram um manifesto, acreditam que isso é sintomático do nosso tempo.
“Eu não culpo quem pensa assim em um mundo que nos ensina desde muito cedo a desacreditar, ainda mais quando falta comida no prato, por exemplo. Mas o sonho não é luxo, é necessidade. Não é privilégio, é direito”, defende.
“Sem ele”, explica, “a gente não planeja, não cria, não transforma. Todo avanço humano começou com alguém que ousou imaginar o que ainda não existia — da medicina à democracia. Garantir o direito de sonhar é garantir o direito de existir com dignidade”.
Para Myrian, a PEC é um convite inédito para a sociedade brasileira construir seus valores a partir de outras bases. “Estamos diante de uma oportunidade rara: transformar a esperança em política pública”, conclui.
Fonte: Coluna Tony Marlon em Ecoa/UOL