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Resgate de escravizados com covid-19 marca 133º aniversário da Lei Áurea

Cinco ações de fiscalização do poder público, iniciadas na última semana, resultaram no resgate de 140 pessoas escravizadas na produção de café, soja e cana, no desmatamento da Amazônia e no serviço doméstico. Em uma das operações, dos 71 libertados, 65 estavam com covid – e trabalhando. Completa-se, nesta quinta (13), 133 anos da assinatura da Lei Áurea.

Uma análise dos dados de fiscalização do governo federal entre 1995 e hoje aponta que há muito mais negros entre os mais de 56 mil trabalhadores libertados da escravidão contemporânea do que sua proporção na sociedade, dada à vulnerabilidade histórica desse grupo.

E a pobreza continua empurrando pessoas para o trabalho escravo, mesmo na pandemia.

Entidades da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho escravo contemporâneo reclamam do valor pago nesta nova etapa do auxílio emergencial(R$ 150, R$ 250 ou R$ 375 por domicílio), o que não garante tranquilidade para grupos vulneráveis.

“Muitos trabalhadores gostariam de ficar em casa para se proteger da pandemia, mas não tem como. Eles têm que sair buscando qualquer serviço. Com esse auxílio mixaria que foi oferecido, não tem como sustentar a família”, afirma o frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de combate à escravidão da Comissão Pastoral da Terra.

Em 2021, 72 operações foram concluídas até esta quinta, totalizando 314 pessoas resgatadas. Os dados são do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, organizado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.

Escravizados do café continuavam trabalhando com covid-19

A maioria absoluta dos 71 resgatados da escravidão em uma fazenda de café, em Vila Valério (ES), estavam trabalhando com covid-19 quando foram encontrados pelos auditores fiscais do trabalho e por policiais federais.

“Desde o início do resgate foram diagnosticados 65 empregados com a doença. Constatamos inclusive que o empregador não realizou qualquer exame admissional”, afirma o auditor fiscal Rodrigo Carvalho, coordenador da operação. E, mesmo com os sintomas, continuavam no serviço, sem que fossem isolados ou recebessem assistência por parte do empregador.

O grupo havia sido aliciado no Vale do Jequitinhonha (MG) sob promessas de boa remuneração e boas condições. Mas chegando no local, viram que receberiam bem menos que o prometido, além de serem submetidos a longas jornadas e encararem descontos ilegais de transporte e de alimentação. A situação de endividamento acabou configurando servidão por dívida.

Dois ônibus levaram os trabalhadores infectados de volta para suas casas e uma van aqueles que testaram negativo.

Cinco anos de escravidão doméstica sob falsas promessas

Uma empregada foi resgatada após cinco anos trabalhando em uma chácara em Águas Lindas (GO), no entorno do Distrito Federal. A operação contou com a Polícia Rodoviária Federal, a Defensoria Pública da União, do Ministério Público do Trabalho, a Secretaria de Desenvolvimento Social do DF e auditores fiscais do trabalho.

Fazia de tudo no espaço – da faxina até cuidar de idosos. Durante todo esse tempo, não recebeu salário ou qualquer tipo de remuneração. A ela foi feita uma promessa de receber um lote por parte da patroa, o que nunca foi cumprido.

No momento da fiscalização, a chácara estava para ser vendida e ela seria despejada.

“O trabalho doméstico desempenhado no local foi propositalmente desvalorizado, com o intuito de não se pagar salários e tratado como uma suposta ajuda a uma família em condição de vulnerabilidade social”, afirmou o auditor fiscal Maurício Fagundes, coordenador da operação.

Duas pessoas que não existiam para o Estado ganharam a liberdade

O grupo especial de fiscalização móvel resgatou 12 trabalhadores escravizados de atividades de derrubada da floresta amazônica às margens do rio Guariba, em Novo Aripuanã (AM). A operação que começou no domingo (9) teve a participação de auditores fiscais do trabalho e policiais federais.

“Havia um trabalhador ferido com corte profundo na mão, em razão de acidente na frente de trabalho, sem nenhuma assistência do empregador”, afirmou a auditora fiscal, Adriana Figueira, coordenadora da operação.

O grupo estava em condições degradantes, com alojamento precário, coberto com lona plástica, sem instalações sanitárias. O “gato”, como é chamado o contratador de mão de obra a serviço do empregador, foi preso durante a operação por conta do aliciamento.

Dois dos resgatados, segundo os auditores fiscais, nunca tiveram nem certidão de nascimento, ou seja, não existiam para o Estado brasileiro.

Em meio à sujeira, a juventude foi encurtada pela escravidão

Cinco trabalhadores rurais, entre eles dois adolescentes, de 14 e 17 anos, foram resgatados da escravidão por auditores fiscais, procuradores do trabalho e policiais rodoviários federais em Aporé (GO).

Eles atuavam na atividade de catação de raiz para a limpeza do terreno visando à preparação da lavoura de soja. Estavam alojados em um barraco precário com muita sujeira e sem nenhum móvel, nem uma mísera cadeira.

Além do pagamento dos salários e direitos trabalhistas e de uma indenização individual por dano moral, graças à ação do Ministério Público do Trabalho, o produtor se comprometeu a ajudar na construção do presídio do município, o que tem uma ironia agridoce.

Condições degradantes atingiram 52 no plantio de cana em Minas

Uma operação resgatou 52 trabalhadores que atuavam no plantio manual de cana-de-açúcar, em Prata (MG). Ministério Público do Trabalho, Polícia Rodoviária Federal e auditores fiscais do trabalho compõem a equipe, que deve conseguir o pagamento dos trabalhadores nesta quinta (13).

Aliciados no interior do Maranhão sob falsas promessas de boas condições de trabalho, 52 pessoas se deparam com alojamentos em condições tão precárias que os que não conseguiram comprar colchões por conta própria, dormiam no chão.

Também não tinham banheiros à disposição nas frentes de trabalho.

“As condições degradantes estavam em um parâmetro inacreditável. Os empregadores não garantiram condições dignas de trabalho”, afirmou o auditor fiscal Humberto Camasmie, que coordena a ação.

As operações acima estão em curso, com o lavramento de autos de infração e os pagamentos de salários e direitos atrasados pelos trabalhadores. Por isso, os nomes dos empregadores ainda não foram revelados.

ONU alertou para o risco de aumento do trabalho escravo com a pandemia

“O severo efeito socioeconômico da pandemia de covid-19 provavelmente irá aumentar o flagelo da escravidão moderna, que já afetava mais de 40 milhões de pessoas.”

A declaração, do relator especial das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, Tomoya Obokata, foi dada como alerta no início do ano passado. Na época, ele cobrou de governos que melhorem a proteção dos mais vulneráveis, que estão em situação ainda mais precária por conta do aumento do desemprego relacionado ao fechamento de empresas em meio ao coronavírus.

“Durante a atual emergência sanitária, exorto os Estados a identificar as pessoas que enfrentam o maior risco de cair em trabalhos exploradores e aumentar sua proteção por meio de políticas de salvaguarda”, afirma Obokata. “Se nenhuma ação for tomada nesse sentido, existe o risco de que significativamente mais pessoas sejam empurradas para a escravidão agora e no longo prazo.”

Trabalho escravo no Brasil hoje

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

Por isso, os movimentos negros explicam que o 13 de Maio remete a uma abolição imperfeita e tardia, adiada ao longo da segunda metade do século 19 pelo poder econômico. Enquanto isso, o dia 20 de novembro, escolhido para celebrar a Consciência Negra e o protagonismo de mulheres e homens negros, é uma data criticada por muitos daqueles que dizem não haver racismo no Brasil.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordeis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.

Fonte: Blog do Sakamoto/UOL

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