Trabalho decente: Uber, iFood, 99, Rappi e GetNinjas são reprovados em avaliação
Relatório da Fairwork Brasil, ligada à Universidade de Oxford, mostra que trabalhadores ganham menos de um salário mínimo e estão desprotegidos
Uber, iFood, Rappi, 99, Get Ninja e até Uber Eats (este de saída do mercado brasileiro) têm em comum, além da presença crescente nos mercados, do Brasil e do mundo, a violação a direitos trabalhistas básicos para seus trabalhadores. No Brasil e no mundo, as condições de trabalho são injustas e a situação é de desproteção. É o que aponta o relatório da Fairwork Brasil, primeiro feito no país. A investigação une a Universidade de Oxford e o Centro de Ciências Sociais de Berlim. O Fairwork avalia plataformas em 27 países do mundo a partir de princípios de trabalho decente: remuneração, condições, contratos, gestão e representação, e pontua cada uma de 0 a 10. Nesse sentido, o primeiro estudo no Brasil revelou que as plataformas promovem o trabalho próximo do indecente no Brasil, semelhante ao encontrado em países, como Chile e Equador, cuja maior pontuação é 3.
Os autores partiram de quatro princípios para avaliar os gestores dos aplicativos. O primeiro, o da remuneração justa, considerando-se os custos com o trabalho, mas também situar-se em um meio termo entre o salário mínimo oficial e o ideal. O segundo princípio é o dos contratos justos, ou seja, que levem em conta as necessidades de empresas e trabalhadores, mas com termos e condições acessíveis, legíveis e compreensíveis. Além disso, que não sejam omissos quanto a responsabilidades das empresas. O terceiro princípio é gestão justa. Desse modo, exigem-se diálogo e transparência, para que trabalhadores possam contestar decisões que os afetem. E, por último, o princípio da representação justa. Nesse sentido, os trabalhadores devem ter o direito de se expressar e se organizar em órgãos coletivos, ao passo que as plataformas devem estar preparadas para cooperar e negociar.
Remuneração justa
“Os trabalhadores que entrevistamos para esta pesquisa reclamaram de remunerações baixas e bloqueios injustos. Eles também afirmaram que não conseguem falar com representantes humanos das plataformas e que é difícil apelar contra bloqueios e desativações. Além disso, disseram não saber sobre a existência de políticas de combate à desigualdade nas plataformas e gostariam de ser mais ouvidos pelas empresas”, diz trecho do relatório.
Conforme o relatório, apenas a 99 conseguiu demonstrar que seus trabalhadores ganham acima do salário mínimo local. A maioria das plataformas, no entanto, não atinge esse limite básico. Isso porque não têm um piso de remuneração e/ou cobram altas comissões ou taxas. Portanto, o rendimento final do prestador diminui.
As tarifas e as horas de trabalho também são altamente voláteis, causando alta insegurança de renda para os trabalhadores. Nenhuma delas conseguiu comprovar que os seus trabalhadores ganham acima do salário mínimo necessário local, calculado pelo Dieese em R$ 24,16 por hora ou R$ 5.315,74 mensal (referência de 2021). Em alguns casos, nem mesmo o salário mínimo oficial, de R$ 1.212.
Condições Justas
O Uber e a 99 conseguiram mostrar boas práticas para proteger trabalhadores de riscos inerentes. Isso inclui fornecimento de equipamentos de proteção individual e políticas claras de seguro contra acidentes. Em outras plataformas, trabalhadores tiveram dificuldades em acessar o EPI oferecido, se é que foi. Outra reclamação recorrente dos trabalhadores foi a falta de infraestrutura básica, como a banheiros, áreas de descanso e água potável.
Além disso, muitos enfrentam sérios riscos à saúde decorrentes de acidentes de trânsito, agressões, exposição excessiva ao sol, problemas nas costas, estresse e sofrimento mental. As plataformas precisam fazer mais para mitigar esses riscos.
Gestão justa
Esta continua sendo o grande desafio na economia de plataformas no Brasil. Nenhuma plataforma conseguiu mostrar a existência de canais de comunicação eficazes, processos de apelação transparentes e políticas antidiscriminação – que são preocupações centrais de trabalhadores.
Para os autores, há necessidade de introduzir políticas e processos claros de desativação haver pessoas que possam falar com os trabalhadores quando precisam recorrer às decisões de forma transparente. “Encorajamos todas as plataformas a introduzir esses tipos de políticas e processos para criar estruturas de gestão mais justas”, recomendam.
Representação justa no iFood
Também há muito a ser feito para uma representação justa. Apenas o iFood conseguiu destacar políticas básicas para garantir a voz dos trabalhadores. A partir de seu envolvimento com a Fairwork, a iFood criou um Fórum de Entregadores como canal de comunicação com lideranças de entregadores.
A maioria delas, porém, não possui política documentada que reconheça a voz do trabalhador e da sua organização. Além disso, identificaram-se limites à liberdade de associação e expressão, pois vários trabalhadores relatam retaliações por participar de ações de protesto.
A legislação brasileira ainda não trata das relações de trabalho em plataformas digitais. Há projetos de lei em andamento no Congresso, alguns prevendo e outros excluindo o vínculo empregatício. Em janeiro, foi sancionada a Lei 14.297, sobre a proteção de entregadores no contexto da pandemia de covid-19. Aprovada pelo Congresso, a lei trouxe regras emergenciais, como obrigatoriedade de seguro contra acidentes. Mas o presidente Jair Bolsonaro vetou vários pontos.
O coordenador do Fairwork no Brasil, Rafael Grohmann, classifica o trabalho como “pesquisa-ação”, pois busca estimular a formulação de políticas públicas rumo ao trabalho decente. A equipe no Brasil é coordenada pelos professores Rafael Grohmann (Unisinos), Julice Salvagni (UFRGS), Roseli Figaro (USP) e Rodrigo Carelli (UFRJ. A metodologia envolveu entrevistas com trabalhadores, pesquisa documental e reuniões com gestores de plataformas. O próximo levantamento publicado pelo Fairwork Brasil está previsto para dezembro.
Fonte: Rede Brasil Atual