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Uber faz motorista virar tutor de IA e inicia era do ‘bico dentro do bico’

A Uber começou a testar uma nova modalidade que faz os motoristas virarem treinadores de inteligência artificial. No novo episódio de Deu Tilt, o podcast do UOL para os humanos por trás das máquinas, Helton Simões Gomes e Diogo Cortiz explicam por que a iniciativa inaugura um novo capítulo do chamado trabalho plataformizado, a era do “bico dentro do bico”.

A promessa é de renda extra, mas esconde um movimento estratégico: a entrada da Uber no mercado global de rotulagem de dados para a IA, setor já dominado por plataformas como a Mechanical Turk, da Amazon.

As microtarefas -pequenos trabalhos, como rotular fotos ou gravar áudios para treinar IA- existem desde 2008 e se espalharam pelo mundo, inclusive no Brasil, trazendo ganhos cada vez menores e mais instabilidade para quem depende delas.

“E isso faz parte de uma estratégia maior da Uber, de fazer com que a plataforma dela, que já tem motoristas, já tem entregadores, já tem pessoas que fazem frete, também de adicionar uma nova categoria de trabalhador, que são os turkers. E, de alguma forma, a Uber vai criar um mega app do serviço plataformizado”, Helton Simões Gomes.

No caso da Uber, o objetivo é aproveitar os poucos momentos ociosos das longas jornadas dos motoristas. Testado na Índia, a nova modalidade chegou aos Estados Unidos.

“É a precarização dentro da precarização (…) Essa é uma estratégia do Uber de usar essa massa de trabalhadores que já estão à disposição, porque uma das dificuldades que as plataformas também têm é atrair pessoas para fazer esse tipo de serviço”, Diogo Cortiz.

Helton levanta uma dúvida prática: poucos motoristas ficam parados por tempo suficiente para realizar as tarefas. Muitos atuam em diferentes aplicativos e já têm rotinas intensas para fechar as contas do mês. Ele lembra que, mesmo com a promessa de renda extra, o trabalho de microtarefas não é novidade e já foi testado por grandes empresas.

“Eu não conheço motoristas da Uber que conseguem ficar parados. A todo momento chegam corridas, geralmente esse motorista não trabalha só para a Uber, ele trabalha para outras plataformas. Eu fico me perguntando em que momento esse cara vai ter uma ocasião livre para fazer esse tipo de coisa”, Helton Simões Gomes.

O episódio mostra que o modelo das microtarefas já atravessou várias fases: começou como promessa de renda extra para jovens de países em desenvolvimento, mas hoje exige longas jornadas para ganhos cada vez mais baixos.

O Brasil já tem muitos trabalhadores nessas plataformas, chamados de “turkers”. O risco, segundo Cortiz e Helton, é criar uma categoria ainda mais vulnerável, não contemplada nos debates atuais do Congresso Nacional sobre regras para motoristas de app.

“A questão é que o Congresso Brasileiro está, nesse momento, discutindo uma regra para os trabalhadores plataformizados, só que eles estão mirando para as categorias que atuam hoje, que são os motoristas de aplicativo e os entregadores. É muito provável que quando essa lei chegar, se ela chegar, ela já vai chegar defasada porque dentro da Uber já vai ter uma outra categoria de trabalhadores que não tá sendo contemplada porque o projeto foi todo calibrado pra quem trabalha rodando na rua, entregando comida, entregando compra”, Helton Simões Gomes.

Fonte: Tilt/UOL