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Apesar de lobby varejista, Câmara rejeita urgência de PL que libera remédios em supermercados

Medida é defendida por supermercados e outros varejistas, para aumentar as vendas

“Sair do padrão de alguma assistência na farmácia pra nenhuma assistência no supermercado faz uma diferença gigante na saúde das pessoas”, argumentou Alice Portugal – Elaine Menke/Câmara dos Deputados

Em meio a uma grande polêmica, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, nesta quarta-feira (3), o pedido de tramitação de urgência para uma proposta que libera a venda de medicamentos em supermercados e similares. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 1774/19, de autoria do deputado Glaustin Fokus (PSC-GO), e cujo mérito aguarda avaliação dos parlamentares na Casa.  

A proposta é defendida pelo setor varejista, interessado em ampliar a cartela de produtos colocados à venda, e enfrentou uma dura disputa, que terminou em 225 votos favoráveis à urgência contra 222 contrários. Para ter o trâmite agilizado, a pauta precisaria de mais de 257 votos porque o regimento exige maioria absoluta nesse tipo de votação.

A liderança do governo Bolsonaro, por exemplo, havia se posicionado inicialmente a favor do requerimento de urgência, mas, diante das dissidências na própria base aliada, acabou mudando de posição e liberando os correligionários para votarem como quisessem. Foi o que ocorreu também com as siglas PSD, PSDB e Cidadania.

Votaram pelo “não” os partidos da oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede) e mais alguns membros do campo da direita liberal. As legendas PL, PP, União, Republicanos, MDB, PSC, Podemos, Novo, Solidariedade, Avante, Patriota, Pros e PTB defenderam o voto pelo “sim”.

A oposição sustentou que o PL não corresponde ao interesse público e que por isso não merece tramitação célere. No que se refere ao mérito, os parlamentares do segmento apontaram diferentes problemas no conteúdo da proposta, especialmente o risco à saúde humana.

Órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Federal de Farmácia (CFF) fizeram uma série de alertas sobre os riscos da proposta. Eles afirmaram, por exemplo, que o PL incentiva a automedicação, que traz consequências como: uso irracional remédios, efeitos indesejáveis à saúde, mascaramento de doenças evolutivas e altos custos para os sistemas de saúde.

O Brasil tem um histórico de automedicação por parte da população em diferentes problemas de saúde. De acordo com pesquisa feita pelo CFF em parceria com o Datafolha, 90% dos brasileiros se automedicam e 47% fazem isso ao menos uma vez por mês. Já 25% cultivam esse hábito todo dia ou pelo menos uma vez por semana.  

A prática preocupa especialistas, segundo os quais  a conduta custa ao Sistema Único de Saúde (SUS) um total de R$ 60 bilhões ao ano em tratamentos de danos causados por medicamentos.

Um estudo feito em 2017 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) apontou que, em 36,9% das vezes, os casos estão relacionados a uma não adesão do paciente ao tratamento. Já 39,3% deles ocorrem por reações adversas, enquanto 16,9% se dão por doses incorretas. Além disso, o país registra uma média de quatro intoxicações a cada hora por conta de uso de remédios.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que é farmacêutica de formação, argumenta que o PL também deixa a população em situação mais vulnerável porque, diferentemente das farmácias, os supermercados não oferecem profissionais qualificados para tirar dúvidas sobre esse tipo de produto. A legislação brasileira impõe, por exemplo, a obrigatoriedade de as farmácias terem farmacêuticos plantonistas no estabelecimento.  

“Você sair do padrão de alguma assistência na farmácia pra nenhuma assistência no supermercado faz uma diferença gigante na saúde das pessoas. Há anti-inflamatórios que geram hemorragias, por exemplo. Há descongestionantes nasais que podem levar a um glaucoma. Há medicações que são usadas secundariamente pra emagrecimento e geram problemas pancreáticos, hepáticos”, exemplifica.

A parlamentar considera o projeto “muito ruim”. “É puramente comercial. Ele não tem qualquer tipo de link com os interesses da saúde pública”, acrescenta. Opositores também argumentaram que medicações exigem cuidados técnicos especiais em seu armazenamento, o que ficaria em risco no caso dos supermercados e afins.

“O medicamento é um insumo fundamental à vida, não é um item de comércio qualquer. Ele não pode estar em um lugar qualquer submetido a altas temperaturas, submetido à luz, jogado em um canto num depósito. Não existe isso, por isso nós aplicamos uma lei que estabelece que a venda deve ocorrer em um estabelecimento farmacêutico”, disse Ivan Valente (Psol-SP).  

Com a rejeição da urgência, o PL deve ser encaminhado agora por duas comissões da Câmara, a de Seguridade Social e a de Constituição e Justiça (CCJ).

Fonte: Brasil de Fato

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