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Com metade da população, negros são só 18% em cargos de destaque no Brasil

Sexta-feira, 19h, entrada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Por ali passam, nos 30 minutos que antecedem as aulas da noite, 356 brancos, 75 pardos, 16 amarelos e seis pessoas de pele negra.

Sábado, 14h45, entrada do bloco C do hospital Sírio-Libanês. Passam pela catraca 195 pessoas: 169 brancos, 14 pardos, seis amarelos e seis pretos. Desses últimos, um é segurança.

Domingo, 13h20, praça de alimentação do shopping Iguatemi de São Paulo, um dos mais luxuosos da cidade. 147 pessoas almoçam no local: 137 brancas, sete pardas e três amarelas. Nenhum negro.

Negros são 50,7% da população, mas ainda são pouco presentes na elite brasileira. O que se constata nos passeios pelos redutos da elite paulistana bate com o levantamento feito pela Folha com 1.138 profissionais em postos de destaque na política, saúde, artes, Judiciário, universidade e política.

A pesquisa foi feita de acordo com os critérios do IBGE, que pede uma autodeclaração de cor aos entrevistados no Censo. O órgão divide a pele da população brasileira em cinco categorias: branca, preta, amarela, parda e indígena. Foram consideradas negras as pessoas de pele preta e parda.

Quem não respondeu ao levantamento da Folha foi classificado com base em fotos.

Exceção
Nas 20 maiores empresas do país, apenas um presidente se considera pardo, Marcelo Odebrecht. “Mais que preconceito, [o fato de haver poucos empresários negros] reflete nossa realidade socioeconômica e o acesso à educação”, afirma o diretor-presidente do conglomerado de empresas de construção.

No setor de micro e pequenas empresas, o cenário é diferente. Negros são proprietários de metade dos negócios no Brasil, segundo estudo do Sebrae divulgado em abril. Contudo, o rendimento médio dos empreendedores brancos é 116% maior que o de negros, que se concentram em ramos de menor lucratividade, como os setores agrícola e de construção.

Mais de quatro décadas antes de faturar R$ 50 milhões por ano com desmanche legal de caminhões, o empresário Geraldo Rufino, 56, negro, catava latinhas em um aterro sanitário para ajudar na renda familiar.

Foi trabalhar como office-boy em uma multinacional, subiu até virar diretor e, aos 21 anos, saiu para assumir um pequeno negócio da família.

Apesar de ser uma exceção, Rufino diz que racismo só é problema para quem acredita que ele existe. “Isso é coisa que põem na cabeça das pessoas. Se o negro tiver desenvolvimento, tiver uma situação financeira estável, o racismo é secundário.”

Segundo Marcelo Paixão, negro, professor de economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a situação é mais complexa. “É importante analisar a relação entre raça e renda também pelo ângulo das outras dimensões que a pobreza pode assumir, principalmente a pobreza da representação. Na política, nas artes, na mídia”, diz.

Representatividade
Dos 513 deputados federais eleitos em 2014, 80% são brancos. Na Justiça, a prevalência dos brancos é ainda maior: 25 dos 29 ministros do Superior Tribunal de Justiça são brancos, três são pardos e um, preto. Todos os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, a corte máxima do país, são brancos, desde que Joaquim Barbosa se aposentou.

O ministro aposentado Carlos Alberto Reis de Paula, 71, que foi o primeiro presidente negro do Tribunal Superior do Trabalho, afirma que os casos de racismo se repetiram ao longo de sua vida. Ele lembra, em especial, quando foi impedido de entrar em um clube em 1967. “As coisas para nós, negros, eram mais difíceis. A gente tinha que lutar mais, tinha que se empenhar mais, tinha que provar para os outros que éramos capazes.”

Na música erudita, a situação é parecida. A Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), considerada uma das mais importantes da América, tem entre os brasileiros de seu coral 29 brancos (63%), 15 cantores negros (33%), um amarelo e um indígena.

A televisão também conta com uma representação baixa da população negra. As cinco novelas inéditas em exibição na rede aberta têm apenas 15% de atores negros, contra 85% de brancos.

Ailton Graça, 50, negro e ator da TV Globo, diz que se considera um sobrevivente em um país racista. “Quando eu estava no ginásio, conseguia contabilizar que 60% eram negros. No colegial já diminuía, eram 10%. Na faculdade, talvez eu fosse o único negro. Você começa a perceber que alguma coisa está estranha.”

Para mudar o quadro, cotas raciais são uma solução na visão de Eunice Aparecida de Jesus, 68, negra, professora de Direito da USP e ex-secretária de Justiça do Estado de São Paulo. “A universidade que se organize e ponha todos seus esforços para incluir as pessoas. É para isso que ela existe”, diz. “Esta escola [a Faculdade de Direito da USP] teve três professores negros em sua história. Sou a terceira.”

O empresário Geraldo Rufino discorda. “Quem está em escola pública e não tem condição financeira, mas tem o olho claro, não tem direito a cota. O outro nem para a escola vai direito, mas tem a pele escura e tem cota? Isso, para mim, é racismo.”

Fonte: Folha de S. Paulo

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