Como empresas atraem e retêm pessoas LGBTQIA+
“Sempre tive o desejo de ser mãe e, quando minha esposa engravidou, eu queria participar ativamente da maternidade”, conta Vanessa Cunha, analista na gerência de desenvolvimento e operação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). “A CCEE não apenas me apoiou durante todo o processo como também modificou a política interna e o nome da licença para ‘parentalidade’, permitindo que cada casal defina quem será o principal cuidador do bebê.”
“Por anos trabalhei em um setor de negócios super machista, onde não podia abrir a boca ou me mexer de determinado jeito que já ouvia piadinhas. Isso me deixava inseguro e me impedia de ter o melhor desempenho”, conta Guilherme Januário, analista de RH do Assaí Atacadista. “Mas descobri que existem, sim, empresas onde podemos ser nós mesmos e, graças a isso, hoje minhas entregas são de qualidade e eu sou referência na minha área.”
“O movimento de me entender e me aceitar como homem gay aconteceu do trabalho para casa: foi dentro da Bayer que eu vi que isso não era um problema e percebi que minha perspectiva e meu universo eram importantes”, conta Kléber Carvalho, gerente de inclusão e diversidade da empresa no Brasil.
Apesar de virem de pessoas com histórias de vida diferentes e que enfrentam desafios específicos, os relatos acima revelam o que os profissionais LGBTQIA+ sempre souberam: em empresas onde diversidade e inclusão estão no centro das decisões de negócio, esse público trabalha de forma mais segura e com mais engajamento, e suas diferentes vivências e pontos de vista estimulam a inovação. Tudo isso, é claro, gera melhores resultados para o negócio.
“Não é difícil entender por que a diversidade é fundamental”, acredita Ana Ulysséa, diretora e cofundadora da consultoria FourAll. “Existem inúmeras pesquisas mostrando que um ambiente plural é mais criativo e inovador, proporcionando um melhor conhecimento do mercado e do consumidor e gerando até mesmo antecipação de demandas.”
A boa notícia é que os números confirmam a informação: de acordo com a pesquisa FIA Employee Experience (FEEx) de 2021, que elenca os Lugares Incríveis para Trabalhar, quando perguntados sobre o quanto concordavam com a afirmação de que “as pessoas de qualquer idade, raça e orientação sexual são tratadas com a mesma justiça e respeito nesta empresa”, funcionários de companhias que promoviam um conjunto completo de práticas para a inclusão LGBTQIA+ responderam de forma mais positiva.
Tais práticas incluem ações de comunicação para inclusão do público; formação de grupos de discussão compostos por funcionários para discutir assuntos de interesse do público; treinamento formal de gestores para evitar discriminações; benefícios estendidos aos cônjuges dos colaboradores com o mesmo sexo.
A notícia menos animadora é a de que essas ações e políticas ocorrem com mais em empresas melhor estruturadas e elas não são maioria. Entre os 120 Lugares Incríveis para Trabalhar, apenas 18 adotam 100% das práticas listadas pela FEEx.
“Atualmente, o principal investimento das empresas é em letramento, e essa prioridade provavelmente está relacionada à necessidade de mudança de cultura interna para que os LBGTQIA+ se deparem com menos problemas”, afirma Gabriela Augusto, diretora e fundadora da Transcendemos Consultoria, empresa especializada em soluções para promover diversidade e inclusão nas organizações e premiada com o McKinsey LGBTQ+ Achievement Award.
Diversidade em práticas
No Assaí, Guilherme Januário, que conta um pouco de sua vivência no início desta matéria, viu sua performance melhorar ao ingressar em uma companhia com ambiente de trabalho seguro. Ele destaca a importância, por exemplo, de palestras organizadas com profissionais com lugar de fala no tema. “Ouvir pessoas que, assim como nós, enfrentaram o preconceito, nos mostra que é possível chegar a uma posição de destaque”, acredita.
“Graças a esse tipo de ação afirmativa, eu sei que não preciso me blindar – pelo contrário, posso chegar sorrindo e com meus trejeitos porque, independentemente da minha orientação sexual, da minha cor ou da minha condição, eu serei ouvido”, completa Guilherme.
Na Bayer, onde Kléber Carvalho entendeu que suas diferenças tinham muito a agregar, funcionários LGBTQIA+ contam com o grupo de afinidade Blend, que reúne 30 membros e 150 aliados (porta-vozes do tema que abrem espaço para diálogo e educação e sempre se posicionam em situações de “piada” e outros constrangimentos), além de organizar ações para sensibilizar, conscientizar e educar, como cartilhas e programas de acolhimento.
Há ainda letramento obrigatório para que as lideranças compreendam a realidade LGBTQIA+ e como a estrutura da sociedade impacta em sua subjetividade e desempenho. Mais recentemente o letramento também passou a ser direcionado para a área de aquisição de talentos – mais um passo para incentivar a contratação de pessoas diversas.
A CCEE, por sua vez, realizou, em 2021, uma revisão completa de estratégia, visão, valores e propósito e incluiu a diversidade como um dos focos para ser referência mundial na operação de mercados de energia até 2030.
Como consequência, desde então, instituiu a licença parental, que proporciona equivalência às licenças maternidade e paternidade (agora chamadas de primeiro e segundo cuidador), e beneficiou a analista Vanessa. A empresa também desenvolveu um programa de formação para ampliar a conscientização sobre o tema e atualizou o processo de recrutamento para torná-lo mais inclusivo.
Outra empresa que se importa com a inclusão de LGBTQIA+ é o Grupo Boticário, onde diversidade é tema de um dos grupos de afinidade (GA) que funciona como um mecanismo ativo de provocação do sistema. Este GA esteve, por exemplo, no centro da decisão de implementar a licença parental universal. Outra iniciativa recente é o cadastro de colaboradores para que a empresa visualize o tamanho dessas comunidades na companhia.
“Naturalmente continuamos investindo em ações de letramento, mas hoje podemos dizer que já passamos da etapa de ter que explicar as vantagem da diversidade porque o tema está no centro da estratégia de negócio”, afirma Emília Ferraz, diretora de talentos, conhecimento e cultura do grupo. “Somos intencionais: consideramos o tema como parte do negócio.”
Profissionais LGBTQIA+ e o pós-pandemia
Assim como aconteceu com outras pautas não relacionadas diretamente à saúde, muitas ações relacionadas ao público LGBTQIA+ perderam protagonismo e fôlego durante a pandemia.
De acordo com os especialistas consultados para esta matéria, contudo, isso não significa que tenha havido retrocessos. Empresas que já apoiavam o tema mantiveram este valor e aquelas que precisam se atualizar têm, agora, a oportunidade perfeita, já que momentos econômicos críticos estimulam inovação, conceito intimamente ligado à diversidade.
“Não voltaremos atrás, e o caminho natural é de melhoria, já que a sociedade está tomando consciência de seus direitos e os exige, obrigando os negócios a se adequar”, acredita Gabriela, da Transcendemos.
Ainda assim, é necessário acelerar essa caminhada com ações estratégicas e práticas, incluindo maior apoio à comunidade trans – que dentro do grupo é a mais fragilizada – criação de políticas de contratação específicas e melhor entendimento de outras questões relacionadas, como a diversidade racial.
“Embora haja interesse de empresas de todos os tamanhos e setores da economia por inclusão e diversidade, muitas vezes nos vemos atolados em questões que já devíamos ter superado, como que banheiro pessoas trans devem usar”, lembra Keyllen Nieto, fundadora da consultoria Integra. “O tema e a sociedade já estão à frente e temos que alcançá-los.”
Lugares Incríveis para Trabalhar
O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e as empresas devem ser anunciadas em agosto.
Fonte: UOL