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Computação da USP era dominada por mulheres; por que elas desapareceram?

Esta reportagem surgiu de uma foto, uma informação e uma pergunta. A foto mostra 20 jovens em uma escadaria. São 14 mulheres e seis homens. A informação: esses jovens foram alunos da primeira turma do curso de bacharelado em ciência da computação da USP (Universidade de São Paulo), que se formou em 1974.

E a pergunta: como uma turma de Ciência da Computação tinha muito mais mulheres do que homens?

Foi preciso reunir parte deles para entender essa história. Em uma tarde nublada de setembro, cinco ex-alunos da primeira turma do curso se reencontraram no prédio do IME-USP (Instituto de Matemática e Estatística da USP), onde ocorrem, hoje em dia, as aulas do curso de ciência da computação.

Três mulheres e dois homens, que já se falavam em um grupo de WhatsApp, voltaram à universidade, trocaram lembranças sobre aquela época e explicaram por que há 50 anos era mais comum a presença de mulheres na ciência da computação na USP.

Em 1970, todos eles fizeram vestibular para o curso de matemática da USP e foram aprovados. No ano seguinte, já fazendo o curso, souberam que começaria a funcionar em breve o bacharelado em ciência da computação, o segundo do país. O primeiro tinha sido criado em 1969 na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior de São Paulo.

“O nosso curso foi formado meio que de repente. A previsão da USP era começar em 1973, mas os papéis andaram mais rápido, as aprovações andaram mais rápido e os professores estavam muito motivados”, conta Maria Elisabete Bruno Vivian, 70, uma das estudantes da graduação que aparece na foto antiga.

A imagem com a turma de 20 alunos foi feita em dezembro de 1974, no fim do curso, na casa da colega Inês Scaramelli Homem de Melo, 70.

O bacharelado foi construído aos poucos —e com a ajuda dos alunos. “Cada ano era um currículo porque éramos a primeira turma. Fizemos o segundo ano, e eles viram que tinham coisas que não estavam muito boas. No terceiro ano era outro currículo. Fomos cobaias”, brinca Inês, que mais tarde se tornaria professora do IME-USP.

Naquela época, o fato de a primeira turma do curso de ciência da computação da USP ter sido formada por mais mulheres do que homens não foi algo que chamou a atenção dos alunos. Era até compreensível, já que todos eles tinham migrado do curso de matemática e lá as mulheres eram maioria.

“O Instituto de Matemática, do qual a computação faz parte, era uma escola basicamente de meninas. Os rapazes normalmente preferiam fazer Engenharia”, explica Maria Elisabete. No Instituto de Matemática, diz ela, as trajetórias possíveis até então eram estudar matemática pura, fazer pesquisa na área ou dar aula.

“E o mercado para professores, já naquela época, era mais atraente para as mulheres do que para os homens.”

Quando surgiu a oportunidade de cursar ciência da computação, as mulheres que faziam matemática se empolgaram.

“Foi um curso que surgiu de repente, e vimos nisso uma oportunidade para o futuro. Eu gostava muito de matemática, mas estava na dúvida entre licenciatura, estatística, bacharelado. Quando entrou o curso de computação, eu falei: ‘é isso que eu quero!'”, lembra Mari Tomita, 71, formada na primeira turma.

“Desde aquela época, nós sabíamos que a carreira de computação era promissora”, diz Manoel Marcílio Sanches, 70.

Eles contam que, dos 20 alunos, quase todos seguiram carreira na área de computação, com exceção da Kyeong Hee Kim, coreana que veio para o Brasil quando era criança, casou com um coreano pouco depois de se formar e se mudou com o marido para os Estados Unidos.

Inês chegou a trabalhar em uma fabricante de computadores de grande porte. Depois, foi contratada como professora da USP, onde ficou até 1986. Maria Elisabete e Marcílio também se tornaram professores em 1975. E Mari foi contratada no IPT (Instituto de Pesquisas tecnológicas), onde trabalha até hoje.

“Nós adoramos o curso. Éramos ótimos alunos, a turma era boa, quase ninguém pegava DP [ser reprovado], um ou outro caso. Entraram 20 e saíram 20”, diz Maria Elisabete. O número pequeno de alunos ajudou a criar a intimidade entre eles. “No fim, você é amigo de todo mundo.”

“Pelo fato de estarmos todos no mesmo barco, sem saber direito o que ia acontecer, nos ajudávamos muito, não tinha concorrência direta entre nós”, diz Marcílio.

Mais mulheres do que homens

O perfil dessa graduação se manteve mais feminino, durante toda a década de 1970 e até meados dos anos 1980. As coisas começaram a mudar a partir de 1984, quando o acesso ao curso passou a ser por meio de vestibular.

“O primeiro ano em que o bacharelado em ciência da computação passou a ser uma opção direta na Fuvest [fundação responsável pelo vestibular da USP] foi em 1984. Eu sei bem disso porque entrei em 1983, o último ano em que a entrada era pela matemática, e, na minha turma, eram mais alunas”, lembra Carlos Eduardo Ferreira, professor do IME-USP.

Entre 1971 e 1984, funcionou da seguinte forma: o estudante fazia vestibular para matemática, cursava o primeiro ano do curso e só depois tinha a opção de, caso tivesse vaga, continuar os estudos na ciência da computação.

Mais homens do que mulheres

Depois que o curso entrou no vestibular, a quantidade de estudantes homens aumentou a cada ano. “Em 1984, o curso foi para o vestibular e já era um curso famoso. Então, a concorrência ficou maior. E os rapazes se interessaram mais”, diz Marcílio.

Em 2021, dos 43 estudantes que se formaram em ciência da computação na USP, apenas cinco eram mulheres.

A situação levou até um estudante a mapear as mudanças de gênero no curso ao longo dos anos. Para Gustavo Silva, que escreveu um TCC (trabalho de conclusão de curso) sobre o tema em 2018, havia também um estereótipo sobre o que era a computação naquela época.

“Quando eu estava na faculdade, a teoria mais aceita sobre essa inversão entre o número de homens e de mulheres se deve ao fato de que a computação inicialmente era uma profissão mais próxima ao secretariado, portanto socialmente vista como uma área feminina”, diz ele.

“Conforme foi crescendo, se aproximou mais da engenharia que é socialmente vista como uma área masculina. Esse estigma social sobre quais cursos são masculinos e quais são femininos acabou empurrando as mulheres para fora da computação ao longo dos anos.”

O papel do incentivo

As mulheres que seguem nessa área atualmente destacam a importância do exemplo e do incentivo familiar. Filha de Maria Elisabete, Mariana Bravo, 37, estudou ciência da computação na USP entre 2003 e 2006. Diferentemente da turma de sua mãe, encontrou poucas mulheres na classe: era uma das cinco meninas de uma turma de 50 alunos

“Sempre usei computador, desde criança, tinha em casa, gostava de jogar jogo de computador, gostava de internet, achava muito legais os filmes feitos com efeitos especiais”, diz ela, que hoje trabalha com desenvolvimento de jogos de celular.

“Lembro que [o filme] Matrix me marcou muito, Toy Story, as coisas que a Pixar fazia. Queria estudar como essas coisas todas aconteciam.”

Além da afinidade com a área, Mariana disse que seus pais fizeram parte da sua escolha de estudar ciência da computação. O pai também foi aluno do bacharelado na USP.

“Já estava decidida naquela época, sempre tive muito claro, desde que entrei no colegial [atual Ensino Médio], que eu ia estudar computação. Mas, com certeza, o fato de estar nesse ambiente, de ter uma afinidade com exatas, as escolas em que eu estudei, os professores também devem ter influenciado”.

Fonte: Universa UOL

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