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Conciliando estudo e trabalho como faxineiro, jovem vira cientista de dados

O relatório QuemCodaBR, produzido pela PretaLab em parceria com a Thoughtworks em 2019, revelou que o setor de tecnologia no Brasil ainda é majoritariamente branco, masculino, heterossexual e de classe média ou alta. Para se ter uma ideia, 32,7% das equipes de profissionais da área não têm nenhuma pessoa negra. Entre aquelas que têm, eles representam no máximo 10% do time na grande maioria dos casos.

Os obstáculos enfrentados por Dairenkon Majime, o Moxú, ajudam a entender o que está por trás desses números. Hoje com 20 anos, o jovem começou recentemente um estágio em ciência de dados em uma empresa de tecnologia. Mas seu caminho até aqui não foi nada fácil – e no futuro ele espera ajudar outros jovens a ingressar na área de uma forma menos sofrida.

Em 2019, Moxú começou a trabalhar como faxineiro em uma instituição pública de Minas Gerais. “Eu não sabia o que iria fazer da vida, só sabia que precisava de um emprego para me sustentar”, conta. Na época, morava com a mãe em uma ocupação urbana em Belo Horizonte, cidade onde nasceu. Ele também entrou em uma faculdade de administração, mas logo percebeu que teria muitas disciplinas envolvendo matemática e estatística e acabou ficando desanimado.

Nascimento do interesse por tecnologia

Por volta de agosto de 2020, com as eleições se aproximando, um novo horizonte se abriu. Sem deixar o emprego como faxineiro, Moxú trabalhou na campanha de comunicação de um partido político e mergulhou no mundo da tecnologia: “Eu precisei mexer com muitas coisas digitais, fazendo posts para as redes sociais, buscando métricas, e acabei aprendendo algumas coisas de programação front-end”, lembra.

A experiência o conquistou e o levou a fazer uma promessa para si mesmo: antes de a pandemia acabar, iria começar uma carreira em tecnologia. O primeiro passo foi trocar administração por uma faculdade de tecnologia.

Paralelamente a isso, começou a procurar cursos livres para se aprofundar na área de ciência de dados. Foi só no começo de 2021 que ele encontrou uma opção que conseguiria conciliar com o trabalho e a faculdade. Com duração de um semestre, a formação ainda permitia que o pagamento começasse a ser feito só depois que o aluno conseguisse um emprego com um salário de no mínimo 3 mil reais. Esse tipo de modelo, chamado Income Share Agreement (acordo de compartil

hamento de renda), é relativamente comum em cursos de programação, embora o valor mínimo do salário varie. Para Moxú, foi perfeito: ele ganhava menos que isso e não teria condições de arcar com os custos naquele momento.

Encarando as coisas com um novo olhar

Quanto mais estudava, mais Moxú se apaixonava pela ciência de dados e mais nítidas ficavam as perspectivas para seu futuro profissional. Mas esse processo também fez com que ele percebesse algo importante: “Vi que a forma como eu lidava com os problemas não ia me levar muito mais para a frente”, lembra. “Eu estava levando tudo de uma forma desorganizada, copiava lições, e não tem como continuar assim para sempre. Eu precisava me desafiar e enfrentar minhas limitações para chegar a algum lugar”.

Uma das suas primeiras atitudes foi mudar o olhar sobre as matérias de matemática e estatística, que tanto temia. O resultado lhe surpreendeu: “Descobri que não era um bicho de sete cabeças. Quando passei a encarar como algo necessário, pois fazia parte daquilo que eu queria fazer da vida, passei a estudar por horas com prazer”.

Os professores e facilitadores da Tera, a escola onde ele fez o curso, confirmam sua evolução. “O Moxú começou bem quietinho, tímido, sem falar muito. Mas, conforme as aulas foram evoluindo, ficou claro o real interesse dele. Sua dedicação nos estudos, não apenas nas aulas ao vivo, mas ao longo de toda a semana, logo ficou evidente”, conta o facilitador Marcus Trugilho. “Além dos materiais que colocamos à disposição, ele compartilhava com os colegas outros artigos e links que buscava na web. Não tenho receio de dizer que ele foi o aluno mais dedicado e estou certo de será um excelente cientista de dados no futuro”, completa.

“Não deveria ser tão difícil”

Mas, ainda que gostasse de estudar, encontrar energia para tanto era um desafio. O emprego como faxineiro lhe ocupava nove horas por dia e causava grande cansaço físico e mental. Mesmo assim, ele assistia às aulas à noite e permanecia conectado por mais algumas horas para fazer os trabalhos.

Cada vez mais exausto com a rotina, Moxú começou uma busca intensa por um trabalho na área de tecnologia. Nesse meio tempo, havia saído da ocupação para ir morar com a companheira, e temia ter que escolher entre se manter no emprego atual para pagar as contas ou aceitar uma proposta em tecnologia com um salário insuficiente. “Eu ficava muito aflito com isso”, conta.

Após participar de vários processos seletivos sem conseguir um trabalho, ele finalmente encontrou uma oportunidade com potencial em uma empresa de tecnologia. Mas, à medida que ia passando para as fases seguintes, a síndrome do impostor o perseguia. “Eu sempre achava que não iria rolar. Quando você participa de muitos processos e não passa, fica pessimista”, explica.

Para sua surpresa, foi aprovado no fim de julho. Embora fosse uma vaga de estágio, seu salário seria quase três vezes maior em relação ao emprego anterior, além dos benefícios. “Também recebi um bom computador e pude finalmente aposentar o ‘dinossauro’ que eu vinha usando”, ri.

Agora, a meta de Moxú é aumentar seu conhecimento – tanto por meio de formação acadêmica quanto por experiências profissionais. Mas ele também sonha em fazer com que outras pessoas não precisem enfrentar as mesmas dificuldades que ele enfrentou para trabalhar em tecnologia. “Não deveria ser difícil assim. Muitas vezes você tem que fazer escolhas que não deveria ter que fazer, como trabalhar ou estudar”, explica.

Ele já começou a fazer isso, de certa forma, desde julho: a escola onde se formou em ciência de dados o convidou para ser um facilitador de aprendizagem e auxiliar outras turmas. “Era uma coisa que eu pretendia fazer, mas não sabia que aconteceria tão cedo”, comemora.

Pensando num futuro um pouco mais distante, ele sonha em criar uma plataforma “aberta, colaborativa, gratuita e de qualidade” para promover a educação em tecnologia. “Não vai ter processo seletivo, teste de lógica, nada disso”, promete. “A ideia é que todos que quiserem possam ter acesso a esse conhecimento”.

Fonte: Ecoa/UOL

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