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‘Contei da gravidez só no exame admissional por medo de não conseguir vaga’

A auxiliar administrativa Rosiane Almeida Cruz, 33, foi contratada grávida depois de participar de pelo menos oito processos seletivos. Para ela, a gravidez fez com que demorasse mais para ser contratada e passou por pelo menos uma situação desagradável ao informar sobre sua situação durante um processo seletivo. Apesar da dificuldade, ficou feliz e aliviada ao saber que tinha conseguido uma oportunidade.

As empresas precisam se preparar de antemão para tornar a contratação de mulheres grávidas mais fácil. Além disso, precisam ter uma boa organização para acolher a funcionária na volta da licença-maternidade. O UOL ouviu consultorias especializadas em mercado de trabalho, que dão recomendações de como essas empresas devem proceder para a contratação de gestantes, orientam como devem lidar com o período de espera do bebê e a melhor maneira de reintegrar a mulher na volta da licença-maternidade.

O bebê de Cruz deve nascer entre o final de julho e começo de agosto. A auxiliar começou a trabalhar em janeiro, no início da gestação e, por medo, contou sobre a gravidez apenas na hora do exame admissional.

“Eu achei que não fosse ser contratada, porque eu fiz inúmeras entrevistas e toda vez que eu dizia que estava grávida tinha um desconforto. Por isso que nessa eu disse só no exame admissional, eu fiquei com muito medo”, Rosiane Cruz, auxiliar administrativa.

Cruz participou de oito entrevistas de emprego e afirma que a gravidez foi um empecilho em algumas delas. A auxiliar relata que, em uma das ocasiões, o gerente responsável pela vaga deixou a sala quando ela contou que estava grávida. Após a saída do gestor, a recrutadora afirmou que a gravidez não afetaria suas chances de conseguir a oportunidade, mas Cruz diz que sabia que não seguiria no processo.

“Uma das últimas vezes que eu fui entrevistada, para você ter ideia do absurdo, assim que eu falei que estava grávida, o gerente saiu da sala. Falou que tinha um compromisso, que não ia conseguir ficar até o final da entrevista e me deixou só com a gestora de RH. Eu me senti muito desconcertada. A recrutadora disse que a gestação não ia me atrapalhar, mas eu sabia que ia”, Rosiane Cruz, auxiliar administrativa.

Contratação de grávidas
As leis que garantem a permanência das mulheres no mercado de trabalho não são cumpridas. É o que diz Maíra Liguori, co-fundadora da Think Eva, consultoria para equidade de gênero. Não contratar uma grávida é uma forma de discriminação, segundo Liguori.

Para as empresas, o que as impede de contratar grávidas é a preocupação com a licença e o cuidado com os filhos depois. As empresas têm um receio legítimo, segundo Michelle Terni, CEO da Filhos no Currículo, de como vai ficar aquele cargo durante a ausência da funcionária.

A maioria das empresas que possuem boas práticas na contratação de grávidas são as maiores. Elas têm mais estrutura e dinheiro para lidar com a ausência de uma funcionária e conseguem remanejar os cargos de forma temporária para quando a pessoa voltar.

“Vemos empresas que fazem ‘job rotation’, que colocam pessoas de outras funções para se experimentar numa nova área, que promovem temporariamente uma pessoa, dando uma oportunidade de ela exercer um papel de mais responsabilidade”, Michelle Terni, CEO da Filhos no Currículo.

Essa questão pode ser resolvida com um bom planejamento. Fica mais fácil quando a gravidez não é vista como um problema pela companhia. A palavra-chave para realizar esse tipo de contratação é planejamento, segundo Jhenyffer Coutinho, CEO e cofundadora da Plure, startup de recursos humanos especialista em conectar empresas a mulheres. A única diferença é que a empresa precisa se preparar para a ausência daquela mulher durante a licença, mas que isso pode ser facilmente resolvido com uma organização antecipada.

O que ajudaria a aumentar as contratações são leis que igualem benefícios oferecidos a homens e mulheres. Se os sexos tivessem o mesmo período de licença, por exemplo, diminuiriam as chances de as empresas optarem pelo homem, já que, ao ter um filho, ele ficaria afastado pelo mesmo período que uma mulher.

“O empregador já é mais enviesado, e aqui eu não estou falando se ele é bom ou mau, mas ele já tem um viés inconsciente. Na Espanha, a licença é igual tanto para homem quanto para mulher. Isso não vai virar uma questão na hora de você contratar, porque seja homem ou mulher, você vai ter que se preparar para a ausência dessa pessoa”, Jhenyffer Coutinho, CEO e cofundadora da Plure.

A empresa e as lideranças também precisam saber lidar com a notícia de gravidez de uma colaboradora, quando ela já faz parte do quadro da companhia. Terni afirma que os chefes precisam ser capacitados para receber a notícia, para que a pessoa se sinta acolhida desde o início.

Outro ponto importante é oferecer benefícios relacionados aos filhos tanto para homens como mulheres. Assim, a empresa demonstra que o cuidado dos filhos é tanto do pai como da mãe.

Contar sobre a gravidez
Na hora de contar à empresa que está grávida, Coutinho afirma que a mulher já deve vir com a solução. Informar e dizer como que pretende lidar com a gravidez, que tem uma rede de apoio e que está tudo resolvido para a sua volta, caso seja contratada.

A notícia pode ser dada ao final do processo seletivo. “Oriento que se você é uma mulher grávida passando por um processo seletivo, faça as etapas de forma normal. Ao final dele, se você achar que é necessário, notifique a sua gravidez, mas já trazendo o plano que você fez, para que isso não seja um problema nesse novo emprego”, afirma Coutinho.

Não deixar de se candidatar por estar grávida é o primeiro passo. Coutinho diz que muitas mulheres deixam de aplicar para vagas porque não cumprem todos os pré-requisitos, o que não acontece com os homens. Se a pessoa tem mais da metade do que é pedido, a indicação é se candidatar mesmo assim.

Espera do bebê
A empresa precisa deixar a funcionária segura de sua posição. A espera de um filho é um momento com diversos sentimentos, de emoções positivas até dúvidas e conflitos internos. Para Terni, é um período decisivo para que a mulher se sinta acolhida e saiba que o emprego dela estará garantido quando ela voltar ao trabalho.

As empresas precisam se organizar para dar segurança para essa funcionária e manter a companhia funcionando normalmente. Isso porque as mulheres tendem a se cobrar mais no trabalho durante a gravidez. Muitas acreditam que precisam entregar o dobro para provarem seu valor e não serem demitidas na volta da licença maternidade.

“Com um bom planejamento e antecipação das entregas, a empresa sai bem durante esse período e consegue ter o retorno da mulher, que passa mais rápido do que as empresas imaginam”, Jhenyffer Coutinho, CEO e co-fundadora da Plure.

Licença e volta ao escritório
Criar um programa sério de volta ao trabalho é fundamental. A volta pode trazer muitas angústias, diz Terni. Há dúvidas se houve mudanças na estrutura da equipe, se o escopo do trabalho mudou ou se a mulher pode ser demitida ao voltar da licença. “São muitas angústias, somadas àquela sensação de culpa de deixar o filho.

Dependendo da função, a mulher não sabe como manter a amamentação”, afirma Terni.

Uma boa prática é criar mentores dentro da empresa para acolher esta mulher na volta ao emprego. Podem ser outras mulheres que são mães ou qualquer outro profissional que queira apoiar a mulher neste momento.

“A mulher que está chegando da licença é uma pessoa que está fragilizada em vários aspectos da vida. Emocionalmente, fisicamente, ela não dorme, amamenta, o corpo tem alguns efeitos que não são os de sempre, aprendendo a transitar dentro de um universo novo, sobrecarregada, mas isso não implica em um ônus no trabalho”, Maíra Liguori, co-fundadora da Think Eva.

Outra ideia é fazer um novo onboarding. É um momento para contar o que aconteceu na ausência daquela funcionária, como estão os projetos e o que se espera dela dali para frente, diz Coutinho.

Uma conversa aberta é fundamental. A empresa pode falar sobre suas preocupações no retorno, enquanto a mulher pode expor seu lado, suas angústias e como está organizada para lidar com a maternidade e o trabalho.

A demissão pós-licença é muito mais dolorida para as mulheres do que não ser contratada devido à gravidez, diz Coutinho. As empresas alegam, na hora da demissão, que encontraram uma pessoa que desempenhou bem as funções durante a ausência da mulher e que, como não pode ficar com as duas pessoas, decide demitir quem está voltando da licença.

“A empresa não fala que é pela gravidez, obviamente, mas diz ‘no tempo que você saiu, alguém te substituiu muito bem, e agora a gente quer ficar com essa outra pessoa’. Essa é a desculpa, entre aspas, que eles usam, mas poderia ter sido resolvido com um planejamento antecipado nesse sentido”, Jhenyffer Coutinho, CEO e co-fundadora da Plure.

Fonte: UOL