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Espólio de trabalhador pode pedir danos morais na Justiça

Juliana Bracks Duarte: o dano moral não é mais um direito tão personalíssimo e pode ser transmitido a herdeiros

A Justiça do Trabalho passou a aceitar que o espólio de empregado morto em acidente de trabalho possa pedir indenização por danos morais sofridos pelo funcionário. Uma recente decisão da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), responsável por consolidar o entendimento, confirmou essa possibilidade.

Havia uma certa resistência na Justiça do Trabalho para se reconhecer esse direito ao espólio, segundo advogados trabalhistas. Isso porque o espólio – que compreende o conjunto de bens constitutivos do patrimônio moral e material do falecido – não tem personalidade jurídica própria e não é somente composto por familiares do trabalhador.

No caso, os ministros da SDI-1 negaram, por maioria, provimento a recurso apresentado pelo Banco Mercantil. A decisão ainda não foi publicada, mas ficou mantido o acórdão unânime da 3ª Turma do TST a favor da família do funcionário.

Segundo o processo, o trabalhador sofria jornadas de trabalho extenuantes e, por conta da pressão sofrida no ambiente de trabalho, teve transtorno depressivo e hipertensão arterial, que resultaram em afastamento do funcionário em julho de 1999 e aposentadoria por invalidez em março de 2001.

Em março de 2009, quando foi suspenso o contrato de trabalho, o funcionário morreu. Assim, o espólio do ex-funcionário entrou com ação pedindo indenização por danos morais sofridos.

De acordo com a decisão do ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, da 3ª Turma, os artigos 12 e 943 do Código Civil, que dispõem sobre o tema, deixam claro que o direito à reparação por dano moral transmite-se aos herdeiros. O ministro citou em seu voto julgados de diversas turmas do tribunal com o mesmo entendimento.

A decisão reforma acórdão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais. Os desembargadores consideraram que “o espólio não é parte legítima para pleitear a indenização proveniente do sofrimento causado pela morte de ente querido”. Para eles, o dano moral é um direito personalíssimo “daqueles que desfrutavam da intimidade do falecido e não de direito hereditário”. Segundo o acórdão, seria um dano “insucetível de ser adquirido com herança”.

Um dos julgados citados pelo ministro que também reconhece o direito de espólio à indenização é da 5ª Turma do TST. Segundo a decisão, a jurisprudência da Corte já se firmou nesse sentido. Assim, não conheceu o recurso da empresa envolvida.

Outra decisão, da 8ª Turma, destacou que esse tipo de demanda pode ser ajuizada pessoalmente por herdeiros ou por espólio. No caso dos autos, o espólio era representado pela viúva do empregado e, segundo os ministros, não haveria dúvida quanto à sua legitimidade.

Professor de direito trabalhista da PUC-SP e FGV, Bruno Freitas e Silva ressalta que as decisões são fruto da evolução da jurisprudência do TST. Para ele, havia empecilho pelo fato de um espólio não ser somente composto por familiares. “O espólio é um ente formal, sem personalidade jurídica, em que se apura o acervo de bens, direitos, rendimentos e obrigações da pessoa falecida. Então, a Justiça se indagava como se poderia admitir credores do falecido que são herdeiros, mas não familiares, e que poderiam se beneficiar da decisão”, diz.

O tema ainda gera muita discussão, principalmente nos tribunais de segunda instância, onde muitas vezes esse direito não é reconhecido, segundo o advogado trabalhista Maurício Corrêa da Veiga, do Corrêa da Veiga Advogados. “Porém, com o amadurecimento da discussão, as decisões no TST têm admitido a possibilidade”, afirma.

Apesar de ser advogado de companhias, Veiga afirma que não há como negar o caráter social e humano dessas decisões. “As empresas não podem criar pressupostos processuais que criem empecilho para inviabilizar a demanda do espólio para pleitear indenização por danos morais”, diz. Partindo do pressuposto de que o espólio pode pedir indenização, caberá então ao Judiciário avaliar as provas de cada caso para saber se a indenização é devida ou não.

Para a advogada trabalhista Juliana Bracks Duarte, do Bracks Advogados Associados, “a tendência que cada vez mais se confirma é que o dano moral não morre com o falecido e não é mais um direito tão personalíssimo”. De acordo com ela, já há inclusive decisões que tratam de dano moral de empregado morto em outras condições e não em decorrência de acidente de trabalho. “Nesses casos, estou presumindo que o falecido teve um dano moral e o espólio pode ter ajuizado uma ação que ele nunca quis viabilizar em vida.”

Procurada pelo Valor, o Banco Mercantil informou por meio de nota que “não se pronuncia a respeito de matérias que se encontram sub judice”.

Fonte: Valor

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