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Estudo revela que apenas 16% das empresas cumprem cota para contratar PcDs

Levantamento divulgado mostra queda de três pontos percentuais entre 2019 e 2021

Cleusa Torquato dos Santos, de 64 anos, convive com uma hérnia de disco e é considerada PcD pelo grave problema na coluna; a moradora do Jardim Paraíso de Viracopos está há cerca de dois anos procurando emprego, mas diz que sofre discriminação pela idade e a limitação física – Foto: Kamá Ribeiro

Levantamento do Observatório do Trabalho e Pessoa com Deficiência, realizado pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/UNICAMP) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), revela que somente 16% das empresas com mais de 100 funcionários cumprem a cota para contratação de pessoas com deficiência (PcDs) na Região Metropolitana de Campinas (RMC). Os dados se referem ao ano de 2021. 

Segundo os dados do Observatório, 146 empresas da região cumpriam a cota naquele ano, o que representa 16% de um universo de 911 que foram obrigadas a cumprir o percentual mínimo de contratação exigido por lei. No ano anterior, 2020, o número era ligeiramente inferior. Cerca de 15% das empresas estavam de acordo com a lei (137 empresas de um universo de 906). Em 2019, porém, ano anterior ao início da pandemia de covid-19, 19% das empresas cumpriam a cota.

O artigo 93 da lei 8.213, de 1991, determina que a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com de deficiência. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas sobre o Mercado de Trabalho e Pessoas com Deficiência (NTPcD), Guirlanda Benevides pontuou o impacto da pandemia na queda do número de empresas que cumpriam as exigências de cota na região.

“A RMC tinha em 2019 um total de 876 empresas obrigadas a cumprir cota. E dessas empresas, 166 atendiam à lei. Ou seja, em torno de 81% das empresas não cumpriam. Em 2020, houve uma retração. Nós sabemos também que isso pode ter sido reflexo da covid-19. Em 2021, apesar de ter melhorado a participação do número de empresas cumprindo a cota, o patamar de 2019 não foi retomado. Em 2021, o número de empresas (com 100 ou mais funcionários) aumentou, mas o resultado de quem cumpria a determinação da lei continuou menor do que em 2019. A covid-19 em 2020, realmente, de uma forma geral, impactou o emprego no país, não apenas das pessoas com deficiência, mas também das pessoas sem deficiência. A entrada no mercado de trabalho (das pessoas com deficiência) foi ainda mais difícil do que para as pessoas que não têm deficiência”, disse.

A pesquisadora lembrou que o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm o papel de fiscalizar as empresas para saber se elas estão infringindo a lei. Para ela, a divulgação dos dados, em parceria com o MPT, pode ajudar a ampliar o número de empresas contratando PcDs. 

“Isso o que a gente tenta mostrar com esse trabalho, chamar a atenção e mostrar que existe uma preocupação com a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal. Chamar a sociedade para dizer: ‘olha, o problema existe, as empresas não estão cumprindo a cota, o que é que está acontecendo? Será que é discriminação? O que é que pode ser feito para reverter esse quadro?’”, questionou.

Ainda segundo a pesquisadora, o número de empresas que não cumprem cota podem ter pessoas com deficiência em seus quadros, mas sem atingir a proporção exigido por lei. 

Segundo o observatório, o percentual de vagas desocupadas para PcDs na RMC em 2019 era de 52,1%, aumentando para 54,1% em 2020 e mantendo praticamente o mesmo patamar em 2021. Em 2021, por exemplo, eram 18.940 vaga previstas, sendo 46% ocupadas e 54% desocupadas.

“É importante olhar para essa população de 16 a 64 anos com deficiência, que são as pessoas potencialmente aptas ao mercado de trabalho. Esse é o ponto que a gente está chamando atenção, essas pessoas existem. São dados que podem orientar aquele município e saber como ele pode melhorar a atuação dele em relação ao cumprimento da cota e em relação à contratação das pessoas com deficiência.”

A procuradora da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, Danielle Olivares Corrêa, afirmou que tanto o MPT como outros órgãos de defesa dos direitos da pessoa com deficiência utilizarão os dados para o planejamento de políticas públicas e atuações em prol da efetiva inclusão desse público no mercado de trabalho.

Desafios

Ester Piza de Almeida Barros, de 52 anos, terapeuta ocupacional e gerente executiva da Sorri Campinas, entidade que atua pessoas com deficiências para qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho, disse que vê o mercado aquecido atualmente, mas ainda há desafios “no sentido de gerar acessibilidade”.

“Hoje as pessoas com deficiência estão se colocando com mais facilidade no mercado, mas a gente ainda observa que plano de carreira quase não existe. São pouquíssimas empresas. É uma pequena quantidade que oferta e ainda busca a pessoa com deficiência. A gente percebe que querem uma pessoa com deficiência auditiva, mas ela precisa saber falar. Com deficiência física, mas não pode usar cadeira de rodas. Então ainda há essas escolhas”, disse.

“Uma empresa acessível é aquela que, desde o ponto de ônibus, a pessoa com deficiência tem autonomia para chegar, ir e vir, se comunicar e ser autônoma dentro dos espaços da empresa”, completou.

A terapeuta ocupacional do Instituto SER, Cristiane Aparecida Jesuíno, que atua na socialização de pessoas, principalmente com Transtorno do Espectro do Autista (TEA) e Síndrome de Down, atesta a maior dificuldade para a colocação de pessoas com deficiência no mercado e diz que há uma “pré-seleção” de empresas diante dos diferentes graus de deficiência do candidato. “Há empresas que buscam pessoas que tenham deficiências não muito aparentes e que não tenham dificuldades de comportamento, evitando o fato de ter de falar várias vezes a mesma coisa para a pessoa”, contou. Ela espera que as contratações de PcDs voltem a melhorar após o pior momento da pandemia de covid-19 ter passado.

Moradora do Jardim Paraíso de Viracopos, Cleusa Torquato dos Santos, de 64 anos, está há cerca de dois anos procurando emprego. Considerada PcD por conta de uma hérnia de disco, ela disse que as pessoas com deficiência sofrem discriminação na hora de procurar um trabalho.

“Faz todo esse tempo que procuro emprego e estou quase desistindo. Vejo que há discriminação pela idade e pela deficiência. Não consigo vaga para portaria e nem limpeza. Ando bem, mas não posso pegar peso por causa da coluna. Faço entrevistas, mas nunca chamam. Pra mim, é discriminação”, lamentou.

Sobre o Estudo

O levantamento atualizado é uma ferramenta digital interativa para pesquisadores, agentes públicos e cidadãos interessados em explorar dados relacionados à inclusão de população de pessoas com deficiência e reabilitados no mercado de trabalho do Estado de São Paulo. A iniciativa é o resultado de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisas sobre o Mercado de Trabalho e Pessoas com Deficiência a partir de um convênio celebrado com o MPT.

O estudo utiliza informações estatísticas de diversas fontes, incluindo registros administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pesquisas conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele foi realizado e apoiado pelo MPT como forma de entender a trajetória do emprego formal para pessoas com deficiência em âmbito estadual, destacando a Lei de Cotas como mecanismo crucial de inclusão.

Fonte: Correio Popular