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IBGE: envelhecimento da população acende alerta sobre mercado de trabalho

O envelhecimento da população do país, revelado pelos dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados na semana passada, aponta para ao menos dois desafios nada triviais do mercado de trabalho: a superação do “etarismo” e o avanço do chamado “gerontariado”.

Para quem não tem familiaridade com os termos, etarismo diz respeito à discriminação baseada na idade das pessoas. O gerontariado, por sua vez, é um conceito popularizado pelo professor Giovanni Alves, da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), que mescla gerontologia, o estudo do envelhecimento, com “precariado” — o conjunto de trabalhadores que são privados de direitos básicos (em primeiro momento, topam trabalhar altas horas, mesmo com salários baixíssimos e subumanos).

De acordo com o IBGE, o número de idosos cresceu 57,4% entre 2010 e 2022.

A cada 100 brasileiros, 11 já têm mais de 65 anos. Ainda segundo o Censo, metade da população já passou a casa dos 35 anos.

Em geral, a primeira reação dos analistas sobre a mudança no perfil demográfico é encará-la como uma fonte de pressão sobre as contas da Previdência.

Não à toa, o país passou por uma recente reforma em 2019 que elevou as idades mínimas para aposentadoria de homens e mulheres e aumentou o tempo de contribuição mínima para a obtenção de benefícios.

Porém, para além do inegável impacto sobre o sistema de aposentadorias, o envelhecimento da população também precisa ser urgentemente pensado sob a ótica do acesso ao mercado de trabalho e da garantia de empregos decentes.

Estudo diz que 78% das empresas são etaristas
Se o combate ao racismo e à homofobia parece, ao menos no discurso, cada vez mais cristalizado na agenda ESG (sigla em inglês para “governança
socioambiental”) das empresas brasileiras, o mesmo não se pode dizer sobre o enfrentamento ao etarismo.

Um estudo lançado no ano passado com 191 empresas de 13 setores diferentes pela consultoria Ernst & Young em parceria com a Maturi, agência de treinamento profissional, mostrou que 78% das corporações ouvidas se consideram etaristas e admitem não ter políticas para evitar a discriminação por idade em seus processos seletivos.

Outra pesquisa recente, divulgada em outubro pela consultoria Robert Half em conjunto com a startup Labora, tema de reportagem do jornal Valor Econômico, chegou a conclusão semelhante. Das 258 empresas ouvidas, 70% contrataram muito pouco ou nenhum profissional com mais de 50 anos nos últimos dois anos.

Ainda que o mundo corporativo não esteja pronto para lidar com o assunto, o crescimento do número de ações na Justiça do Trabalho, motivadas por preconceito contra trabalhadores vistos como não “suficientemente jovens”, é mais uma evidência de que o etarismo já faz parte do dia a dia das empresas e deve assumir cada vez mais relevância nos departamentos de recursos humanos.

Segundo um levantamento feito pelo escritório Trench Rossi Watanabe, com base em dados da plataforma de jurimetria Data Lawyer, foram ajuizadas 147 processos por etarismo ao longo deste ano — praticamente o mesmo número acumulado entre 2017 e 2022. Os dados constam em outra reportagem do jornal Valor Econômico.

A Reforma da Previdência e o avanço do ‘gerontariado’
O envelhecimento populacional, associado a uma expectativa de vida mais longeva, é usualmente usado como justificativa para o prolongamento do tempo dedicado ao trabalho. No entanto, viver mais não é necessariamente sinônimo de viver bem.

Além disso, trabalhar após certa idade nem sempre é uma escolha, mas uma necessidade.

Hoje, cerca de 66% dos aposentados pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) recebem apenas um salário mínimo por mês. Com as regras ainda mais duras aprovadas na Reforma da Previdência de 2019, a maior parte dos brasileiros terá direito a um ou a no máximo dois salários mínimos, renda que passa longe de garantir segurança financeira.

“A Reforma da Previdência colocou em evidência a questão do idoso que vai ter uma aposentadoria insuficiente e que vai precisar retornar ao mercado”, afirma Bruno Chapadeiro, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense). “Aí, muitas vezes, a única alternativa é se submeter a um trabalho precário, justamente pela dificuldade de encontrar um emprego decente que o etarismo gera”, acrescenta o professor.

A divulgação dos dados do IBGE sobre envelhecimento da população brasileira é uma ótima oportunidade para debater as diversas expressões do etarismo, que não se manifesta apenas no ambiente de trabalho. Mas ela também serve de alerta sobre o futuro que nos aguarda: é preciso pensar em políticas que garantam ocupações decentes para uma crescente parcela da população que seguirá demandando empregos, mesmo depois de aposentada.

Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros no UOL