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Milionários propõem taxar fortunas contra covid. Isso pegaria no Brasil?

Por Leonardo Sakamoto

“Hoje, nós, milionários que assinamos esta carta, pedimos aos nossos governos que aumentem impostos sobre pessoas como nós. Imediatamente. Substancialmente. Permanentemente.” Mais de 90 super-ricos dos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, Dinamarca, Holanda e Nova Zelândia assinam o documento “Milionários pela Humanidade”, pedindo para que seus países joguem os custos da pandemia de coronavírus em suas costas.

Na lista, não há brasileiros. De acordo com o World Wealth Report de 2020, publicado na quinta (10), pelo Instituto Capgemini, a quantidade de milionários cresceu 7% por aqui, em 2019, com relação ao ano anterior, chegando a 199 mil pessoas.

“Posso encabeçar uma lista brasileira”, afirmou à coluna o empresário e escritor, Eduardo Moreira, criador do movimento Somos 70%. O ex-banqueiro de investimentos vem sendo uma das principais vozes na defesa da taxação de grandes fortunas, grandes heranças e altas rendas no país.

Mas considera que há espaço para uma lista de milionários, não de bilionários no Brasil. “Diferentemente do que acontece nos Estados Unidos e na Europa, por aqui você encontra pouquíssimos bilionários sem esquema de evasão fiscal, sem esquemas políticos, sem fazer parte das oligarquias nos estados”, afirma.

Por conta disso, crê que o diálogo com esse grupo seja mais difícil, principalmente entre os que, como ele, são egressos do mercado financeiro. E, na sua opinião, uma carta como essa não vai gerar resultado sem o apoio dos bilionários.

“Com a covid-19, a agenda da Reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional ficou anacrônica e insustentável, porque ela é omissa em relação à tributação das altas rendas e da riqueza”, defende Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho. “Vários analistas mostram semelhança da crise atual com a ‘grande recessão’ de 1929. A história econômica ensina que crises dessa envergadura não foram enfrentadas pela tributação do consumo.”

O documento conta com o apoio da Oxfam, organização que, no Brasil, é dirigida pela socióloga Katia Maia. Para ela, “é estarrecedor que os super-ricos brasileiros não venham a público fazer uma discussão sobre esse tema em um país com tamanha concentração de renda e patrimônio que enfrenta uma das piores crises de sua história”.

Maia considera que as doações são atos pontuais e o país precisa de mudança estrutural.

“Esse papel de liderança dos milionários estrangeiros ‘taxem nossas fortunas’ é o que esperamos dos milionários e bilionários brasileiros. Seus institutos e fundações são importantes, mas eles têm uma agenda própria que não substitui o financiamento em escala de política pública da saúde e da educação, por exemplo”, avalia.

O que está alinhado com outro trecho da carta: “Os problemas causados e revelados pelo Covid-19 não podem ser resolvidos com caridade, por mais generosas que sejam. Os líderes de governos devem assumir a responsabilidade de levantar os fundos de que precisamos e gastá-los de maneira justa. Podemos garantir que financiemos adequadamente nossos sistemas de saúde, escolas e segurança por meio de um aumento permanente de impostos sobre as pessoas mais ricas do planeta, pessoas como nós”.

R$ 270 bilhões
“A classe média paga muito imposto, enquanto os super-ricos se beneficiam da não taxação de dividendos, da baixa taxação de Imposto de Renda, de manobras fiscais. O que defendemos não é aumento de impostos para a classe média, mas cobrar dos muito ricos”, afirma Eduardo Moreira. Lembrando que super-rico não é quem compra uma SUV e paga em 24 prestações ou quem precisa converter dólares em reais quando vai reservar um hotel em Miami.

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 270 bilhões anuais para serem usados contra a crise econômica aprofundada pela crise de saúde pública. É o que defendem a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições.

Na semana que vem, elas vão apresentar 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária defendido pelos partidos de oposição.

“A maior parte dessas medidas podem tramitar por projeto de lei. Precisam ser aprovadas ainda em 2020 para passarem a valer em 2021, porque a fome não pode esperar”, afirma Eduardo Fagnani, que participou da elaboração da proposta.

De acordo com as instituições, a maior parte desse acréscimo viria de uma maior progressividade do Imposto de Renda de Pessoa Física (R$ 160 bilhões), seguida pelo Imposto sobre Grandes Fortunas (R$ 40 bilhões), pelo aumento temporário da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de setores econômicos com alta rentabilidade (R$ 30 bilhões) e pela criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas (R$ 25 bilhões).

O Imposto sobre Grandes Fortunas taxaria patrimônios superiores a R$ 10 milhões, abraçando 60 mil pessoas. E o Imposto de Renda aumentaria para quem ganha mais de R$ 23,8 mil por mês – que, segundo eles, perfazem 1,1 milhão de pessoas, 3,6% dos contribuintes. A alíquota mais elevada (45%) incidiria sobre 59 mil contribuintes que ganham mais de R$ 76 mil por mês.

“Ao contrário de dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, não precisamos nos preocupar em perder nossos empregos, casas ou nossa capacidade de sustentar nossas famílias. Não estamos lutando na linha de frente desta emergência e temos muito menos chance de sermos suas vítimas. Então por favor. Taxe-nos. Taxe-nos. Taxe-nos. É a escolha certa. É a única escolha. A humanidade é mais importante que o nosso dinheiro”, afirma também o documento dos milionários.

E sobre o argumento de que o aumento de impostos levaria os super-ricos a saírem do país?

“Como diz um amigo advogado, se saírem, vão investir aonde? Muitos ficaram bilionários porque tiram riqueza daqui e exploram trabalho aqui. Vão investir na Estônia, que é quem também não tributa dividendos?”, afirma Eduardo Moreira. “Se aumentarmos a carga de impostos dos ricos, ainda assim ela ficará abaixo do que é em outros países.”

Leonardo Sakamoto é Colunista do UOL

Fonte: UOL

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