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‘O que sofri foi violência de gênero’, afirma juíza agredida em São Paulo

A juíza Tatiane Moreira Lima, de 37 anos, ganhou flores e o apoio de magistrados de todo o País na volta ao trabalho, nesta segunda-feira, 4, no Fórum do Butantã, na zona oeste da capital. E recebeu a promessa do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Paulo Dimas, de que a segurança do prédio será reforçada nos próximos dias.

Na semana passada, ela foi feita refém e agredida por um homem que responde a processo criminal na Vara de Violência Doméstica, coordenada por ela, por suspeita de agredir a ex-mulher. Alfredo José dos Santos, de 36 anos, ameaçava incendiar a magistrada depois de jogar gasolina e um produto químico nela.

Acabou preso por policiais militares em um momento de distração. Ele vai responder por tentativa de homicídio, dano e resistência e pode pegar até 20 anos de prisão.

Casada com um promotor de Justiça e mãe de dois filhos, uma menina de 6 anos e um menino de 3, Tatiane tem nove anos de carreira e está desde 2012 à frente da Vara de Violência Doméstica. Em entrevista ao Estado, ela disse que saiu do episódio “mais forte e determinada a lutar pelos direitos das mulheres vítimas da violência doméstica”. E ressaltou que sente apenas compaixão por Santos. “Ele tentou resolver um problema da pior maneira possível.”

A senhora se lembra de como foi a sequência de ação do agressor naquele dia?
Eu estava me preparando para a audiência no gabinete. De repente, ouvi um estrondo seguido de um tiro. Eu me levantei e fui até a porta para ver o que estava acontecendo, quando apareceu o agressor e me segurou pelo pescoço. Ele me esganava com muita força. Em seguida, pôs gasolina e um produto químico no chão e me jogou. Passou a esfregar o meu corpo contra aqueles produtos, tirou o isqueiro e passou a dizer que estava ali para matar ou morrer. Foi ali que eu pensei que ele poderia me matar. E, a todo momento, ele me ameaçava de morte.

O que ele dizia para a senhora naquele momento?
Ele me xingava de pilantra em alguns momentos e também filmava a situação. Fui obrigada a dizer que ele era inocente, que “você tirou o meu filho de mim”. De fato, ele perdeu a guarda do filho, mas foi uma decisão de outra vara, ele se confundiu. O tempo todo falava palavras desconexas.

Como foi dominado?
Em determinado momento, eu pedi autorização a ele para colocar um cobertor no chão, para que nem eu nem ele ficássemos machucados com os cacos de vidro que ficaram no chão. Ao mesmo tempo, ele tentava mandar um vídeo pelo celular para o filho para mostrar o que estava acontecendo. Foi nesse instante que eu me distanciei um pouco para pegar o cobertor e ele ficou no celular, que os policiais militares entraram na sala. Eles rapidamente jogaram o jato de extintor para não ter risco de incêndio. Foi tudo muito rápido.

Como foi sair daquela situação e reencontrar a família?
Meu marido acompanhou a negociação toda. Ele esteve sempre ao meu lado. Eu saí daqui e fui foi socorrida no hospital onde tenho convênio. Quando cheguei, os médicos não sabiam se eu tinha sido queimada ou envenenada. Fizeram vários exames de sangue. Depois de tudo isso, fui para uma área de desinfecção, que nada mais é do que um sabonete e uma bucha (risos) para tentar tirar aquela substância do meu corpo, que tinha cheiro de combustível muito forte. Minhas roupas ficaram para a perícia, eu ia jogá-las fora, até esqueci que eram objeto de crime. Voltei para casa com uma roupa do hospital. Cheguei em casa, minha filha de 6 anos olhou para mim e perguntou: “Mamãe, onde você estava?”. Eu disse que estava no médico, fui tirar sangue. Ela virou e perguntou: “Mas cadê o bebê? Porque quando você usa essa roupa, mamãe, é porque você vai ganhar bebê” (risos). A santa inocência da criança: ela achou que eu estava voltando da maternidade, já que ela pleiteia mais um irmãozinho. Nos dois dias seguintes, eu fiquei em casa e aproveitei para agradecer o carinho e apoio que recebi dos colegas. Não imaginei que a mensagem que gravei teria a repercussão que teve, pois foi apenas um gesto de gratidão. Foi só no fim de semana, quando fomos à praia, que eu fiquei sozinha, pude pensar no que aconteceu e chorar também.

Como a senhora classifica essa violência que sofreu?
O que eu sofri não foi violência doméstica, mas uma violência de gênero. Acredito que, se fosse um juiz homem, talvez o agressor não tivesse a mesma atitude que teve comigo. Não foi um ataque a uma mulher, a uma juíza, mas um ataque a todo o Poder Judiciário. E o Poder Judiciário não pode se amedrontar de forma nenhuma. Pelo contrário.

É possível tirar uma lição disso tudo?
Eu me sinto mais motivada, porque antes eu ouvia os relatos dessas mulheres e de repente eu estava naquela história. Quando aconteceu o fato, eu nem sequer me dei conta do que estava acontecendo, achava tudo muito surreal, tão inesperado, ter o seu ambiente de trabalho invadido e ser subjugada. Agora, me sinto mais motivada para lutar pelos direitos das mulheres. Tento extrair de tudo isso a parte leve, deixar o meu coração leve para trabalhar. Hoje eu voltei com muita felicidade.

Qual o sentimento em relação ao agressor?
Por incrível que pareça, eu não sinto raiva. Sinto extrema compaixão. Foi um ato desesperado. Ele tentou resolver uma situação da pior maneira possível, usando a força. Nós temos o Poder Judiciário para isso, para resolver os conflitos. Ele quis resolver com as próprias mãos. À medida que ele faz isso, nós voltamos ao estado de barbárie. O estado democrático de direito só existe quando nós temos um Poder Judiciário forte e atuante.

Fonte: O Estadão

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