“O seguro mesmo é não confraternizar”, diz infectologista sobre festas de fim de ano
Aglomerações podem acentuar escalada no número de infecções pela covid-19 e sobrecarregar sistema de saúde
A proximidade do Natal e do Réveillon se tornou uma das principais preocupações dos profissionais da saúde no país. Isso porque a aglomeração das festas de fim de ano e grandes reencontros com familiares e amigos pode agravar ainda mais a proliferação do coronavírus em território nacional.
O número de brasileiros infectados pela covid-19 tem aumentado sem parar há seis semanas, com alta no número de óbitos e novas contaminações a cada dia. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), mais de sete milhões de pessoas testaram positivo para a covid-19 desde o início da pandemia. As vítimas fatais chegaram a 183.735 nesta quarta-feira (16)
Ao programa Bem Viver, da rádio Brasil de Fato, a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), alertou para os riscos da confraternização neste momento.
“Estamos em um momento com número de pacientes internados muito grande, pacientes que precisam de UTI, inclusive, com aumento de óbitos. Não é momento de confraternizar. Temos que nos manter em isolamento por mais alguns meses, apesar do verão, apesar do Natal e Ano Novo, datas que nos remetem à confraternização. O seguro mesmo é não confraternizar”, ressaltou Stucchi.
A especialista adverte de forma contundente que não haverá leitos para socorrer todos os pacientes caso haja descuido por parte da população. “Corremos o risco de perder todo o sacrifício que fizemos, todo esse tempo de isolamento, por conta de duas semanas de confraternizações”, lamenta.
A infectologista dá orientações para que grupos pequenos, caso se encontrem, confraternizem da forma mais segura possível.
Confira a entrevista na íntegra e saiba o que fazer:
Brasil de Fato: Quais são as orientações para as festas e tradicionais encontros do fim de ano?
Raquel Stucchi: Na verdade, a orientação é a mesma que nós demos para as comemorações que aconteceram de abril para cá. Ou seja: não ter comemoração. Estamos em um momento com número de pacientes internados muito grande, pacientes que precisam de UTI, inclusive, com aumento de óbitos.
Não é momento de confraternizar. Temos que nos manter em isolamento por mais alguns meses, apesar do verão, apesar do Natal e Ano Novo, datas que nos remetem à confraternização. O seguro mesmo é não confraternizar.
O que o descuido nesse momento pode resultar para a já frágil saúde pública brasileira? Em quanto tempo podermos sentir as consequências caso haja aglomerações no fim do ano?
O que estamos vendo hoje, em termos de utilização de leitos de hospitais, é reflexo do que fizemos há duas semanas atrás. De 10 a 14 dias.
As aglomerações que acontecerem, as festas, as confraternizações, as reuniões de amigos e famílias, ou seja, reuniões com pessoas que não fazem parte do nosso núcleo de convívio durante a pandemia, resultarão, em duas semanas depois, no máximo, em um aumento progressivo de pacientes que precisam de internação.
E hoje nós não temos mais a mesma capacidade, o mesmo número de leitos que tínhamos disponível há dois, três meses atrás. Se as pessoas não se conscientizarem que não é pra fazer reunião no fim de ano, o que eu tenho dito é que não adianta chorar na porta do hospital depois e chamar a imprensa informando que não tem leito porque não terá leito.
Não adianta chorar na porta do hospital depois e chamar a imprensa informando que não tem leito
:: Brasil chega a 180 mil mortes e especialistas temem aglomerações de fim de ano ::
Nós corremos o risco de perder todo o sacrifício que fizemos. Foi um ano muito duro para todos nós. Corremos o risco de perder todo esse tempo de isolamento por conta de duas semanas de confraternizações.
Temos que pensar bem. Somos responsáveis sim pelo que vem a acontecer na pandemia. Caso os números fiquem absurdamente altos, toda a população vai pagar por isso. Provavelmente teremos que ter uma regressão da flexibilização e medidas mais restritivas.
No caso das pessoas que mesmo nesse cenário querem manter os encontros, quais protocolos devem ser seguidos?
O que nós temos colocado é que não haja reuniões com mais de dez pessoas, no total. Considerando pessoas de fora do convívio durante a pandemia, se for acontecer, essas reuniões devem ser ao ar livre. No quintal, na sacada, na frente de casa. Devemos evitar fazer aquela coisa de todo mundo junto na sala com aquela mesa cheia de comida gostosa e todo mundo coladinho.
Preferencialmente ao livre ou em ambientes bem ventilados. Que as pessoas usem máscaras o tempo todo e respeitem o distanciamento social de um 1,5 metro e só retirem a máscara para se alimentar. Depois é colocar a máscara novamente.
E em relação ao contato com pessoas de grupo de risco, avós ou pessoas com comorbidades? Há alguma orientação específica?
Os cuidados devem ser muito maiores. Deve-se evitar ao máximo um contato próximo e ficar muito mais atento ao uso da máscara. Realmente não é o momento de abraços, de colo. Nada disso. Vamos colocar em risco a saúde das pessoas que nós amamos.
Nada de compartilhar copos e talheres ou dar uma mordida em um pedacinho de pernil um do outro. Isso não deve acontecer.
Em um ambiente fechado, que tem muita gente, tem que se falar mais alto. Se estiver sem máscaras, vai eliminar mais gotículas e corre o risco do coronavírus ficar em aerossóis. Como se fossem “nuvenzinhas” de coronavírus e aí a transmissão fica muito fácil de pessoa para pessoa.
Tem se falado muito para não comemorarmos o este ano novo para que as festas do ano que vem possam acontecer. Enfrentamos esse grau de gravidade de fato?
É o que deve ser feito. Eu imagino que a maior parte das pessoas não comemoraram, por exemplo, aniversário esse ano. Não é o momento, em dezembro, de comemorarmos. O coronavírus gosta do frio e do calor também. Já vimos isso pelo que tá acontecendo agora no final de novembro e dezembro em todas as regiões do país.
Se a gente quer poder estar próximo das pessoas que a gente gosta, com a nossa família, lá pro segundo semestre de 2021, não podemos fazer comemorações neste final de ano.
Quais fatores construíram esse sentimento em alguns setores da sociedade que a pandemia já acabou e que o pior já passou?
São múltiplos. Primeiro que realmente todos nós estamos cansados do isolamento. Um isolamento que não é natural para nós, gostamos de conviver e estarmos próximos um dos outros.
O outro fator é que, por semanas seguidas, ouvimos o noticiário falar sobre as quedas de média móvel, de casos e óbitos. Não houve o alerta de que apesar da queda de média móvel, o vírus continuava circulando entre nós.
O resultado é o que estamos vendo agora
Além disso, a economia que já estava flexibilizada. Então as pessoas que estavam cansadas de ficar em casa viram que os números estavam melhorando e quiseram, ingenuamente, entender que o vírus tinha ido embora.
E daí fizeram festas, confraternizações, casamentos, batizados, alugaram apartamento na praia, na montanha, não usaram máscaras. E o resultado é o que estamos vendo agora.
O presidente Bolsonaro diz que pessoas que não são do grupo de risco podem “ficar tranquilas”. Qual o risco dessa afirmação, tendo em vista que todas as pessoas podem transmitir o vírus?
Elas transmitem e ainda que pessoas saudáveis tenham menos riscos de ter as formas mais graves, elas podem ter. Infelizmente. Dados do estado de São Paulo recentes mostram que nas últimas três semanas houve uma mudança da faixa etária das pessoas internadas com covid.
Até três semanas atrás eram pessoas em torno de 70 anos, a média, e agora está entre 30 e 50. São pessoas mais jovens que estão adoecendo.
As pessoas devem respeitar as normas sanitárias. O coronavírus não tirou férias e está bem atento para provocar estragos.
Quais são as sugestões de alternativas sugeridas pelos profissionais da saúde?
Fazer um encontrão de vídeo para brindar o Natal e o Ano Novo. Pode ficar com as pessoas que estiveram em contato neste período de convívio da pandemia. E lembrar que se quiser encontrar é um grupo pequeno, não são mais do que 10 pessoas no total e sempre de máscara. Higienizando as mãos e mantendo o distanciamento social. E, preferencialmente, em lugares abertos.
Considerando a chegada das vacinas, vaivéns do Ministério da Saúde e certo descuido de alguns governantes, é possível arriscar qual será o cenário para 2021?
Nosso cenário só não é pior que o dos Estados Unidos mas eles estão com a vantagem de que iniciaram a vacinação no país e pretendem vacinar a maior taxa até o fim do próximo semestre.
O coronavírus não tirou férias e está bem atento para provocar estragos.
É o que nós não começamos. Não compramos as vacinas. Um cuidado que temos que ter é que não teremos vacinas para todos e mesmo que tenhamos uma boa cobertura vacinal, ainda não sabemos se as vacinas impedem que a gente transmita a doença.
Sabemos que a vacina nos impede de ter a doença mais grave. Mas ainda não sabemos se impede a transmissão. Então mesmo quem for vacinado vai ter que continuar tomando cuidado para evitar a transmissão.
Fonte: Brasil de Fato