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‘Parece minha quebrada’: alunos visitam Museu das Favelas pela 1ª vez em SP

Carregando um caderno, o estudante Jean Nascimento, 18, foi um dos primeiros a chegar à Escola Estadual Professor Jacob Casseb para uma aula diferente na última quinta-feira (15). Autista e morador da Ocupação Vila União, num terreno abandonado em São Bernardo do Campo (SP), ele estava curioso para ver “artes e coisas culturais” das favelas, como tinha citado um professor ao informar que a turma do ensino médio visitaria o Museu das Favelas, recentemente inaugurado no centro de São Paulo.

“Minha casa é um barraco”, comentou Jean, que nunca tinha ido a um museu. De graça, a primeira vez ocorreu graças ao “Passaporte das Favelas”, iniciativa do museu que oferece um ônibus gratuito para moradores de periferia, centros comunitários, escolas, igrejas e terreiros de candomblé e umbanda. Desde que abriu as portas, no dia 26 de novembro, com entrada gratuita, o museu já recebeu 972 visitantes.

“Aqui é uma confluência de periferias”, definiu ao TAB a diretora da Escola Estadual Professor Jacob Casseb, Ellen Pouseiro, 37. “São sete linhas de ônibus que trazem os alunos dos bairros para cá. Tem lugar que nem tem transporte público”, acrescentou a diretora, que se enquadra como deficiente física pela baixa visão, e que diz que uma das prioridades é incluir os 798 alunos da unidade — a maioria mora longe do colégio e é socialmente vulnerável, mas é bastante engajada nas atividades propostas pelos professores, contou.

A visita ao museu foi ideia do professor Carlos Eduardo Santos, 36, que dá aulas no curso técnico da unidade. Vestindo terno e gravata, como sempre, ele busca dar exemplo aos estudantes. “Ver alguém próximo assim pode ser a ponte para que eles se inspirem na busca pelos seus próprios sonhos”, justificou. Ir a um museu dedicado a favelas é uma atividade simples, mas também é uma oportunidade para mostrar que os alunos podem construir novas trajetórias, acrescentou.

Perto das 15h, o ônibus do museu buscou 28 alunos, além de docentes e funcionários da unidade de São Bernardo. A viagem de 35 km até o museu na avenida Rio Branco, no centro de São Paulo, teve trilha sonora de MPB, como “Quando Fui Chuva”, interpretada por Maria Gadú, e “Quase Sem Querer”, de Legião Urbana.

Os amigos Rennan Bezerra, 17, Gabryelly Marques, 17, e Lilyane Carmocir, 17, estavam animados. Era um dia diferente para eles. “A gente que é da comunidade quase nunca vai [a museus]. Conheço pouco o centro de São Paulo, e na nossa cidade nem tem.” Gabryelly e Lilyane contam que já visitaram o Masp e o Catavento graças a excursões das escolas em que estudaram.

No fundo do ônibus estavam os amigos Vitor Gabriel, 17, Lucas de Souza, 17, e Bruna Cardoso, 16. Era a famosa turma “do fundão”, que se destacava com brincadeiras altas e risadas, além de lanches que levaram de casa e uma caixinha de som com uma trilha sonora paralela à do ônibus. A expectativa de Vitor, um adolescente com corrente e óculos “juliet”, morador do Parque Imigrantes, periferia de São Bernardo, era a de encontrar alguém para responder suas dúvidas sobre favela e artes. “Nunca fui [a um museu] e na minha quebrada as pessoas também nem vão, a condução é cara, tem o tempo. Não é tão simples.”

Favelas e livros

Depois de uma viagem de 1h20, o grupo foi recepcionado pelo educador Cícero Silva, 22, morador de São Mateus, zona leste da capital paulista. “Aqui é a segunda casa de vocês”, comentou ele, tatuado, com anel na mão e gírias na manga, ao destacar que o museu é uma construção coletiva. “Gostei dele. Quero ficar com esse mano no rolê”, disse um dos alunos. “Aqui, eles são diferentes, tipo na minha quebrada”, disse outro.

Instalado no Palácio dos Campos Elíseos, o endereço tem história: foi a residência de um cafeicultor no século 19. “Nossos antepassados fizeram isso aqui”, lembrou Cícero — no subsolo onde hoje ficam os banheiros, contou, ficavam negros escravizados.

Os estudantes foram divididos em grupos. Um deles foi acompanhado pela educadora Kissy Lima, que começou a ler o poema “Negros Essenciais”, de Cleyton Mendes, presente no livro “Negritude”. Também citou a poetisa Beatriz Nascimento, referência nos estudos de quilombos e literatura afro-brasileira, que inspira uma intervenção do artista Paulo Nazareth no quintal do museu com mais de 3 m de altura — a dimensão busca se contrapor ao busto de Elias Fausto, político que foi proprietário do palácio. “O que a gente vê na cidade são monumentos gigantes homenageando pessoas brancas, mas, aqui, a ideia é outra”, explicou Kissy.

“Que da hora”, comentou um dos alunos ao observar uma exposição sobre a Feira Preta, um dos maiores eventos de empreendedorismo e cultura de pessoas negras na América Latina. Os alunos fizeram fotos e interagiram com as obras sob orientação dos educadores (com luzes e telas, a área instagramável foi a campeã de selfies).

Outra sala que fisgou a atenção dos estudantes foi a Visão Periférica, instalação audiovisual que reuniu 20 fotógrafos e produtores. Ali, alunos deitaram no chão para conseguir um bom ângulo para ver as narrativas dos artistas sobre favelas e periferias. “Só não vai dormir aí, hein”, brincou uma colega.

Depois, os visitantes conheceram a biblioteca da instituição. Ainda não é possível emprestar livros, “mas estamos trabalhando para mudar isso”, contou o bibliotecário, escritor e educador social Sidnei Rodrigues, responsável pela sala.

“Achei muito ‘loko’, muito ‘dahora’ aqui”, comentou Vitor, um dos mais empolgados na visita. Deu o celular a um colega e pediu uma foto em um trono disponível em uma das salas. “Hoje tô me sentindo importante, e bonitão.”

Fonte: TAB/UOL

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