PL do Veneno no apagar das luzes é ‘desonesto’ e ‘sujo’, denuncia pesquisadora
Exilada após ameaças de morte em decorrência de suas pesquisas, Larissa Bombardi alerta que aprovação de pacote sepultaria princípio de precaução em relação à saúde humana e ambiental
A professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Mies Bombardi classificou como “desleal, desonesta e suja” a aprovação nesta segunda-feira (20) do Projeto de Lei (PL) 1.459/2022, mais conhecido como PL do Veneno, que modifica as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos. Às vésperas do recesso parlamentar e 12 dias da troca de governo, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado deu aval à tramitação em regime de urgência da matéria. Desse modo, o PL do Veneno pode ser votado a partir de hoje (20) em plenário pelos senadores.
Com isso, se aprovado, o PL do Veneno poderá ser livremente sancionado ainda neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que deixa o cargo em 1º de janeiro. Há 23 anos em análise na Casa, a proposta em tramitação tem origem no PL 6299/2002, do então senador Blairo Maggi. A ele foram apensados outros projetos relacionados ao afrouxamento de regras – por isso ganhou o apelido de “Pacote do Veneno”.
Conforme adverte a pesquisadora, em entrevista ao Jornal Brasil Atual, a matéria é de interesse apenas dos ruralistas e fabricantes de agrotóxicos. Além de ser controversa do ponto de vista sanitário e ambiental, o que justifica sua crítica.
Os riscos do PL do Veneno
“Eu acho sujo. Vou usar um adjetivo que normalmente eu evito nessas ocasiões, mas é muito desleal, desonesto e sujo no apagar das luzes, na última semana de dezembro, querer votar uma proposta que é absolutamente controversa. Se fosse o caso de modernizar nossa lei de agrotóxicos, nós deveríamos, por exemplo, colocar limite de tempo para registro, como é em qualquer país decente no mundo. E no Brasil, um registro é por tempo ilimitado. E com relação a isso esse PL não propõe mudanças”, contesta aos jornalistas Rafael Garcia e Larissa Bohrer.
Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil
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Ao contrário, uma das mudanças previstas no PL do Veneno trata de retirar o terceiro artigo da lei vigente sobre o uso de agrotóxicos, que determina a reavaliação de substâncias que podem provocar câncer, malformação fetal ou alterações hormonais. Nesse caso, estão, inclusive, sujeitas ao banimento pelos riscos. O artigo, no entanto, pode ser suprimido por uma nova expressão dúbia que determina o banimento apenas quando houver “riscos inaceitáveis”.
“Risco inaceitável é um lodo que está sendo trazido para o texto que abre uma janela que não se fecha. Como é que vamos discutir o que é risco inaceitável para câncer e o que não é? Eu imagino que para alguns agravos e doenças, o risco é sempre inaceitável”, garante Larissa.
Aprovação automática
A especialista também contesta o dispositivo que trata da aprovação automática do registro de um agrotóxicos, caso o governo federal não avalie o pedido dentro do prazo, de pelo menos 60 dias. “Ao invés da gente colocar todos os esforços para que tenhamos um corpo técnico bem constituído em número suficiente, não, a gente rasga toda a nossa avaliação e poder decisão e coloca simplesmente isso nas mãos das próprias indústrias registrantes”, comenta.
O PL do Veneno também garantirá aprovação automática aos agrotóxicos utilizados em pelo menos três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O que não é um critério para concessão de registro em nenum lugar do mundo.
“São várias estratégias explícitas nesse conjunto que altera a nossa lei de agrotóxicos e que vão na contramão do mundo, da saúde e da segurança alimentar. O mundo está discutindo a questão do aquecimento global. Enquanto o Brasil rasgando, jogando por terra qualquer princípio de precaução em relação à saúde humana e ambiental. Não é só um absurdo, é algo nunca visto. O que pode inclusive trazer impactos econômicos consideráveis, porque a União Europeia que selou um Green Deal, uma estratégia de acordo verde, da fazenda ao prato, que prevê uma diminuição de 50% do uso de agrotóxicos. (Ela) vai parar de comprar os produtos brasileiros e isso é claro como o dia”, observa Larissa.
Exílio
“É algo que só interessa a um setor muito específico da sociedade brasileira e também às indústrias que comercializam essas substâncias. Mas não interessa a nós como brasileiros, humanidade e meio ambiente. Isso seria um desastre total”, completa.
Ainda em 2021, a docente precisou deixar o Brasil para se exilar em Bruxelas, na Bélgica, por conta de ataques e ameaças de morte em decorrência de suas pesquisas. Ela é autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e suas Conexões com a Europa. O levantamento minucioso reúne dados sobre o consumo dessa substâncias no país. O estudo saiu em 2018, mas depois que a pesquisadora lançou sua versão em inglês na Europa, passou a sofrer pressões.
Contudo, ela segue com as pesquisas na área na Universidade Livre de Bruxelas. A ponto de prever em janeiro, uma edição revisada do Atlas, também traduzido para o inglês. Os dados dessa atualização, de acordo com ela, já indicam um quadro “muito severo de piora” na condição de exposição dos brasileiros aos agrotóxicos. O objetivo é que esses dados também estejam disponíveis em um Web Atlas, para que os leitores possam acessar os mapas on-line e cruzar informações.
Mobilização contra o PL
Segundo Larissa, o tema mobiliza tanto a comunidade nacional quanto a internacional. Por conta disso, ela garante que ainda é possível impedir a aprovação do PL do Veneno.
“Temos que evitar a aprovação desse projeto com todas as nossas forças. Porque se passar, significará uma pá de cal no nosso principio da precaução e na nossa capacidade de lidar com essa exposição a essas substâncias”, diz a pesquisadora.
“Um novo governo vem agora, e o adequado, por todos os aspectos, é esperar. Para que isso seja amplamente discutido em outro patamar, em que o tema da justiça social e ambiental seja posto na mesa quando falamos dessas substâncias. É disso que se trata”, conclui Larissa Bombardi.
Fonte: Rede Brasil Atual