Que tal tributar ricos para qualificar os 38% que ganham um salário mínimo?
Hoje, a cada cem brasileiros com a sorte de ter um trabalho, formal ou informal, 38 ganham apenas um salário mínimo (R$ 1.212).
Em 2019, um único cidadão contribuinte com renda total de R$ 1,4 bilhão declarou o equivalente a R$ 1,3 bilhão em dividendos livres de impostos.
A primeira informação é de um estudo da Tendências Consultoria, de acordo com estatísticas do IBGE. Já a segunda vem da base de dados da Receita Federal e consta de um artigo assinado por três economistas na Folha de S. Paulo.
Conjugadas, elas denunciam a aberrante desigualdade brasileira que vem acelerando nos últimos tempos – há apenas quatro anos, a proporção de trabalhadores na faixa do salário mínimo era de 30%. Além disso, trazem a devida dimensão dos desafios hercúleos que nosso mercado de trabalho tem pela frente.
Quem estuda a fundo os dois assuntos costuma bater na mesma tecla: uma das principais causas desse fenômeno é a baixa produtividade do trabalho. A má formação educacional de grande parte dos brasileiros e a baixa taxa de investimento no país (18,7% do PIB, para ser preciso) fazem nossa economia andar de lado e a renda das pessoas estagnar.
Se quisermos vislumbrar um futuro com crescimento consistente, e não apenas voos de galinha, não há outra saída: além de garantir um sistema de educação decente para as gerações que estão por vir, é preciso fazer alguma coisa para incrementar a empregabilidade de dezenas de milhões que estão por aí à caça de trabalho.
Mas alguns dados mostram como estamos mal das pernas nesse quesito. Uma das atribuições do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cuja principal missão é pagar o abono salarial e o seguro-desemprego, é promover a chamada “qualificação profissional”.
Na realidade, trata-se de uma alternativa à demissão seguida do pagamento de seguro-desemprego, principalmente em momentos de crise – como o que atravessamos agora. Assim, em vez de ser desligado definitivamente da empresa, o trabalhador tem seu contrato suspenso por até cinco meses e recebe uma bolsa para estudar.
Porém, dos R$ 81 bilhões da receita total levantada pelo FAT em 2021, míseros R$ 6,9 milhões foram destinados a essa rubrica. Pior: em comparação com o ano anterior, os recursos destinados a essa finalidade despencaram 59%.
É importante destacar que estamos falando de uma possibilidade restrita a quem conta com carteira assinada. Ou seja, os 40% de trabalhadores brasileiros que ganham a vida na informalidade estão privados dessa possibilidade.
Para reverter esse quadro, é preciso formatar uma iniciativa massiva e de longo prazo para a qualificação profissional no país. Recentemente, o governo até lançou um projeto de inspiração militar nesse sentido – o serviço civil voluntário. Mas a proposta parece mais um coelho tirado às pressas da cartola para dar satisfação em ano eleitoral.
O fato é que um amplo programa de qualificação profissional custaria um dinheiro que, neste momento de insolvência fiscal, realmente não existe. Só que a essa altura do campeonato já está mais do que claro que, para além de cortar na carne, o Estado brasileiro precisa urgentemente tornar o sistema tributário mais progressivo.
O senso comum nos diz que é preciso “investir em educação” para construir “um futuro melhor para as próximas gerações”. Justo. Mas a verdade é que também precisamos dar uma força para quem ficou pelo caminho e hoje pena para pagar as contas com um salário mínimo. Que tal o topo da pirâmide rachar essa conta?
Em outras palavras, é preciso fazer os muito ricos pagarem mais impostos. Não é possível que o seleto clube do 0,1% mais rico concentre dois terços de todos os rendimentos isentos de tributos no país, como demonstram Manoel Pires, Rodrigo Orair e Sérgio Wulff Gobetti no já mencionado artigo da Folha de S. Paulo.
Fonte: Carlos Juliano Barros, colunista UOL