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Raça e racismo: uma construção social que começa nos primeiros anos de vida

A percepção dos paulistanos referente à diferença de tratamento entre brancos e negros se manteve praticamente estável de 2020 para 2021, segundo a pesquisa Viver em São Paulo: Relações Raciais, recém-lançada pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ipec. Em uma escala de 0 a 1 (em que o 0 equivale a baixa percepção e o 1 a alta percepção), o índice evoluiu de 0,59, em 2019, para 0,65, em 2020, e para 0,66 em 2021.

Além de revelar o problema e ser uma fotografia da cidade, a pesquisa aponta que o caminho mais citado por paulistanos e paulistanas para combater o racismo são respostas de curto e longo prazos, medidas tanto punitivistas quanto pacifistas. Mais especificamente, aumentar a punição por crimes de racismo e, ao mesmo tempo, fortalecer a educação racial nas escolas. Ambas as respostas são as mais populares tanto para brancos como negros e pardos, segundo a opinião de 800 paulistanos/as.

Essas soluções fazem parte de um exercício de (re)construção da pauta racial como elemento transversal em nossa cultura, nosso imaginário. De um lado, revela que a sociedade busca criar exemplo pela coerção mostrando, via punições e retaliações, que não admite tratamentos diferenciados por discriminação de cor de pele e suas respectivas conotações. Por outro lado, trata-se de uma construção gradual da identidade racial na sociedade.

Alinhados com o preceito africano de que para criar uma criança é preciso o envolvimento de toda uma aldeia, o entendimento racial e antirracista tem que ser parte da construção e da desconstrução dos diversos cuidadores e espaços de aprendizado e trocas. Na pesquisa, fica clara a responsabilidade de todos: “se informar mais e se educar sobre o assunto” segue sendo a opção mais citada quanto ao papel das pessoas brancas no combate ao racismo, com 53% das respostas, seguida por “intervir em situações de tratamento diferenciados entre brancos e negros”, com 44%.

Se a educação tem o potencial de mudar vidas e a escola pretende ser central nessa função, o espaço físico de pedagogia tem o potencial de despertar e sensibilizar o corpo docente, seus alunos e a comunidade local como um todo sobre os malefícios do racismo estrutural.

As primeiras e muitas sinapses de vida podem contar com a pauta racial de maneira lúdica, via contos, brincadeiras e música, sempre incluindo outras referências relacionadas à história da África e à cultura afro-brasileira. Reconhecer que tivemos Pedro Álvares Cabral, mas também Zumbi dos Palmares, é vital para a construção da identidade brasileira.

Para além do conteúdo, a importância da presença (ou melhor, da representatividade nas salas de aula) é uma preocupação em nossas cidades, segregadoras e desiguais. O ensino privado, especialmente em grandes capitais, tende a ser caro e inibidor da possibilidade de classes inter-raciais.

Algumas iniciativas importantes buscam enfrentar esse abismo racial, como o Projeto Travessias, da associação da Escola Vera Cruz. O objetivo é, além de trazer no currículo questionamentos sobre a branquitude e a noção do “homem universal”, também aumentar a representatividade de alunos pretos, pardos e indígenas de baixa renda e renda intermediária. Em 2021 foram 21 bolsas para alunos que ingressaram no G5 com 5 anos, e o objetivo é conseguir 20% de alunos bolsistas em 10 anos.

Outras instituições de ensino avançam nessa linha de buscar representatividade de outros grupos raciais. Conversamos com um pai e uma mãe de alunos que fazem parte do grupo no WhatsApp de escolas antirracistas. Grupo que se uniu para debater a inclusão do tema em escolas e expandir para os clubes também.

Pais mais conscientes das desigualdades abismais e distantes da realidade do país em que vivemos buscam escolas que possam oferecer essas bolsas para garantir outra formação a seus filhos. Eles reconhecem que ainda assim são poucas escolas considerando o tamanho de São Paulo, mas muitas começam esse despertar ao tema sem ainda algo muito formal e publicizado, como é o caso do Colégio Itatiaia, Colégio Rainha da Paz e a Escola Santi.

Carlos Lavieri, sócio do Itatiaia, entrou no grupo de WhatsApp para aprender com as iniciativas de inclusão racial de outras escolas para, depois, formalizar um processo já em andamento nas diversas unidades do colégio. A escola oferece bolsas integrais ou parciais a crianças negras em suas diversas unidades. Em sua maior parte, esses alunos são parentes de funcionários ou de professores. Conversando sobre iniciativas parecidas para as mais diversas idades, ele traz o desafio do número limitado de escolas estruturadas e de qualidade na educação infantil, mesmo as privadas, e o desafio de encontrar boas creches públicas com vagas disponíveis.

Já Ligia Rocha, mãe de Tom e Tito e fã da filósofa e escritora Sueli Carneiro, acredita que os brancos se beneficiam do racismo estrutural, mas que ela não precisa ser signatária deste pacto. “Eu acho que é importante meus filhos saberem que o que veem no espelho é uma versão do mundo. Eles não são referência para o mundo, eles são apenas um ponto de vista, são apenas uma imagem. O outro não é diferente dele, ele também é diferente do outro.” Seus filhos estudam na escola Alecrim, em Perdizes, zona oeste da capital paulista.

A pauta é urgente para avançarmos rumo à uma sociedade mais igualitária, e as escolas podem ser agentes na transformação que a sociedade demanda. A abolição da escravidão foi há 133 anos e, infelizmente, sentimos ainda muitos de seus reflexos. Reconhecer que a cultura está tanto nas sutilezas intangíveis como nos simbolismos concretos, das piadas às estátuas na cidade, são caminhos de correção e remediação do passado para criar novas possibilidades de futuro.

Fonte: Ecoa/UOL

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