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Setembro Amarelo entra no direito trabalhista: saúde mental pode gerar passivo oculto

*Por Fernanda Miranda

O Brasil registrou em 2023 mais de 220 mil afastamentos por transtornos mentais e comportamentais, segundo o Ministério da Previdência. A cada ano, cresce o peso da saúde mental nos custos trabalhistas — seja em forma de licenças, queda de produtividade ou indenizações. Neste Setembro Amarelo, a discussão ganha um componente jurídico ainda pouco explorado: o enquadramento da saúde mental como risco ocupacional pela Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que exige das empresas o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).

Para a advogada Fernanda Miranda, especialista em Direito Trabalhista e Sindical e sócia do Duarte Tonetti Advogados, trata-se de um divisor de águas: “Setembro Amarelo deixou de ser apenas uma campanha: tornou-se um gatilho de fiscalização, prova e litígio quando a empresa não demonstra gestão adequada dos riscos psicossociais. Para o empregador isso representa um passivo oculto real e quantificável — controlável, mas só se houver investimento em diagnóstico, documentação e programas efetivos.”

Passivo oculto: saúde mental como risco jurídico

Tradicionalmente, o PGR focava em riscos físicos, químicos e ergonômicos. Mas com a alteração da NR-1, os riscos psicossociais também devem ser incluídos. Isso significa que, se não forem mapeados e geridos, pode haver interpretação de descumprimento da norma — e, a partir de 2026, as empresas poderão ser autuadas.

Decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) também vêm reconhecendo a responsabilidade das empresas em casos de burnout, assédio organizacional e jornadas abusivas, justamente pela ausência de comprovação de ambiente salutar.

“Um empregado diagnosticado com depressão afastado ou que chegue ao extremo do suicídio pode levar a empresa a responder judicialmente se não houver políticas preventivas, como canal de acolhimento e protocolo de escuta, treinamentos de líderes, controle de absenteísmo e registros de saúde ocupacional”, acrescenta a advogada.

A próxima fronteira das negociações coletivas

Outro fator em evolução é a movimentação sindical. Categorias com alta incidência de estresse — como bancos, tecnologia, call centers e saúde — já discutem cláusulas específicas sobre saúde mental em convenções coletivas. Isso pode incluir direito à desconexão, limites de metas e programas de apoio psicológico.

O reconhecimento da saúde mental como pauta trabalhista sinaliza uma mudança de paradigma: antes restrita a ações pontuais de bem-estar, agora passa a ser objeto de cláusulas normativas em convenções e acordos coletivos. As empresas precisam se preparar para negociar de forma preventiva.

Quem será mais afetado

Profissionais de ambientes de alta pressão — como operadores de teleatendimento submetidos a metas agressivas, trabalhadores do varejo e supermercados expostos à alta rotatividade e motoristas ou entregadores sobrecarregados por jornadas longas — estão entre os mais vulneráveis.

Para as empresas desses setores, não adotar medidas de saúde mental pode significar aumento de passivos trabalhistas e perda de mão de obra qualificada. Mas as regras terão alcance para todas as companhias.

Além da lei: transparência e reputação

O tema também chegou à agenda de investidores e fundos ESG, que já avaliam indicadores de saúde e segurança ocupacional. Não se trata apenas de cumprir uma norma, mas de demonstrar responsabilidade institucional.

“As empresas que se antecipam à adequação da NR-1 demonstram não apenas conformidade legal, mas também visão estratégica. Essa postura transmite solidez para investidores, fortalece a imagem diante dos clientes e gera segurança para os empregados. Mais do que evitar multas e litígios, práticas preventivas revelam maturidade organizacional e compromisso de longo prazo — diferenciais decisivos em um mercado cada vez mais atento à governança e à sustentabilidade empresarial”, conclui Fernanda.

Neste Setembro Amarelo, fica claro: cuidar da saúde mental deixou de ser apenas uma boa prática de RH. Tornou-se um dever jurídico e estratégico. Empresas que não atualizarem seus programas e não dialogarem com sindicatos podem enfrentar não só processos, mas também crises de reputação.

*Fernanda Miranda é advogada e sócia da área Trabalhista e Sindical do Duarte Tonetti Advogados. É especialista em Direito do Trabalho, Relações Sindicais e Compliance Trabalhista

Fonte: Assessoria de Imprensa