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Brasileiros driblam crise, renovam economia e produzem com qualidade

A crise econômica que destruiu postos de trabalho, mudou a vida de milhares de famílias e adiou sonhos, aos poucos dá os primeiros sinais de estancamento. E quem conseguiu manter o emprego respira aliviado. Mas não foi fácil para ninguém. O Correio ouviu sobreviventes da maior recessão da história nacional. No segundo trimestre deste ano, havia 33,3 milhões de pessoas empregadas com carteira assinada no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período de 2014, no entanto, eram 36,8 milhões, ou seja, em três anos, 3,5 milhões de postos formais foram eliminados. E, pelos dados oficiais, ainda há quase 124 milhões de desempregados no país.

Em um cenário tão adverso, com recuo das vendas no varejo, perda de receita nos serviços, e queda na produção industrial, manter o emprego exigiu muito jogo de cintura e características pessoais que vão além de qualidades cognitivas, como habilidades motoras e conhecimento da atividade. Muitos dos que mantiveram o emprego demonstraram ter importantes atributos não cognitivos, também classificados como competências socioemocionais.

Determinação, espírito colaborativo, estabilidade emocional, curiosidade e protagonismo. Esses são alguns exemplos de habilidades que foram fundamentais para a sobrevivência de muitos trabalhadores durante a crise.

O atendente Domingos Matão, 37 anos, atribui a permanência no emprego ao caráter humilde e respeitoso que demonstra com clientes e colegas de trabalho. Empatia e educação também são características fortes na avaliação de Alison Santos de Oliveira, 34 anos, gerente de uma loja de artigos esportivos. O bom atendimento e a sociabilidade são qualidades que, para Ivana Carvalho, 51, gerente de uma loja de produtos naturais, ajudaram-na a manter o posto de trabalho.

O economista Bruno Ottoni, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), avalia que a crise foi um importante divisor de águas para a mensuração do impacto das habilidades não cognitivas no mercado de trabalho. “Durante muito tempo, os economistas deram muita atenção às habilidades cognitivas. No entanto, a recessão mostrou que existe um outro conjunto de habilidades, as não cognitivas, que também se mostram importantes no mercado”, destaca.

Em períodos de crise, sobretudo, a permanência dos trabalhadores no emprego está associada à produtividade. “Nos momentos de dificuldade, as empresas tendem a manter somente os mais produtivos, que entregam ‘mais com menos’”, ressalta Ottoni.

Em geral, a capacidade de ser mais prolífico está associada à qualificação, ao capital humano adquirido pelos estudos e pela experiência no mercado. Isso, sem dúvida, é importante, mas as habilidades não cognitivas são cada vez mais reconhecidas como fundamentais. Para cargos que não exigem muita qualificação, por exemplo, elas podem fazer a diferença. “Disciplina, esforço, bom relacionamento, boa organização e resiliência são qualidades que podem tornar um trabalhador mais produtivo, E, portanto, vão oferecer a ele uma chance de se manter empregado durante uma crise”, destaca Ottoni.

Fábio Bentes, economista sênior da Confederação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), prevê que a crise no mercado de trabalho está, aos poucos, sendo estancada. No acumulado de 12 meses encerrados em julho, segundo dados do Cadastro-Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 600 mil postos foram fechados. Embora o resultado ainda seja negativo, o cenário é melhor que o do ano passado, quando 1,8 milhão de postos foram fechados na mesma base de comparação.

“Não tenho a menor dúvida e afirmo com toda a segurança que o pior ficou para trás”, diz Bentes. Tendo em vista que, sazonalmente, a geração de postos de emprego é maior na segunda metade do ano, ele espera por uma tendência natural de recuperação de vagas, que tem tudo para ganhar força a partir de agosto. Um alívio para tantos sobreviventes, como para os cinco ouvidos pelo Correio, cujas histórias você confere nas linhas a seguir.

Domingos
Entre a entrega de fatias de pizza a clientes e o depósito do dinheiro no caixa, o atendente Domingos Matão, 37 anos, executa o ofício que garantiu seu sustento na crise. Empregado em uma pizzaria de Brasília desde março de 2014, ele é um dos sobreviventes da recessão. “A vida não tem sido fácil, mas pelo menos tenho um emprego”, comemora.

Nos dois últimos anos, Domingos apertou o freio nos gastos. “Deixei de comprar algumas roupas e reduzi o consumo com comida. Tudo ficou muito caro”, diz. Não é para menos. A mesma inflação que corroeu o salário dele reduziu o poder de compra dos clientes, e as comissões com as vendas minguaram.

A realidade, no entanto, poderia ser pior. Ele ele poderia estar, hoje, entre os milhões de brasileiros em busca de emprego. Domingos trabalhava como pedreiro em Parnaíba (PI), quando a construção civil entrou em crise. “Resolvi tentar alguma chance em Brasília.”

Modesto, Domingos enumera poucas qualidades entre as que, avalia, o mantiveram empregado: humildade e respeito. “Procuro ouvir os colegas e o patrão e aprender com a experiência deles. E não faço corpo mole”, afirma. “Meu sonho é comprar a casa própria.”

Alison
Sobreviver em mercados que concorrem cada vez mais com o comércio eletrônico não tem sido fácil. Na crise, foi um desafio hercúleo para Alison Santos de Oliveira, 34 anos, gerente de uma loja de artigos esportivos. Empregado desde 2014, ele mistura a satisfação por ter mantido a vaga com a tristeza diante da recessão. “Pessoas próximas ficaram desempregadas. Nunca vi um ambiente igual.”

Alison se lembra com saudade dos períodos de boas vendas quando iniciou a carreira, em 2007. “A sensação é de que, com comissões, ganhava quase o triplo do que nesse período de crise”, afirma. Ele se casou há um ano e meio, no auge da crise, e esperava fazer uma travessia melhor. Mas a perda do emprego da mulher, há um ano, impôs ainda mais dificuldades ao orçamento da casa. Afinal, representou uma queda de 40% da renda familiar.

Alison passou a deixar o carro em casa e ir para o trabalho de ônibus ou de bicicleta, num trajeto de quase 25 quilômetros. “Uso o veículo só aos fins de semana, e olhe lá. Também trocamos refeições fora de casa por programas caseiros”, conta.

Alison atribui sua permanência no cargo à boa educação com os clientes. “É importante atender todos com bons modos. Sinto que, se faço isso, o consumidor volta”, explica. O gerente mantém a confiança de que a situação vai melhorar. “Não vou desistir nunca”, diz ele, que planeja ter três filhos e abrir um negócio próprio.

Ivana
Amor fraterno e simpatia. Essas são, nas palavras de Ivana Carvalho, 51 anos, gerente de uma loja de produtos naturais, algumas das qualidades que a levaram a superar a crise. “O mundo é tão necessitado de amor que demonstrar afeto pelo próximo é algo simples, mas que faz uma grande diferença”, avalia.

Em um segmento com tanta concorrência, procurar fidelizar o cliente é fundamental. E Ivana garante que tem feito isso muito bem. “Tem pessoas que passam na loja falando que vieram só para me cumprimentar. Às vezes, acabam levando algum produto”, afirma.

Mas nem tudo foram flores na recessão. O marido de Ivana perdeu o emprego de motorista e as despesas ficaram pesadas. “Passamos a pendurar contas. Compras de supermercado, só em dias de promoção”, relata. Com o orçamento apertado, não há dinheiro para investir na casa própria. “Moro em uma casa de fundo e quero muito poder mudar”, afirma.

Ivana procura aprimorar a forma de atendimento, a ponto de estudar, por conta própria, as características dos produtos vendidos. “Não indico nada que possa fazer mal ao cliente. Afinal, a missão da empresa é nutrir as pessoas para que tenham mais alegria, saúde e qualidade de vida”, diz.

Ivana se identifica com o que faz. Em um futuro próximo, ela quer se aposentar, construir uma casa em uma chácara e morar no interior de Goiás. “Quem mora na roça vive melhor.”

Luciane
A recessão que reduziu vendas no comércio também foi turbulenta para prestadores de serviços. Que o diga Luciane Alves Dotto, 39 anos, auxiliar administrativa em uma lavanderia. Com os pesados reajustes de energia elétrica, a empresa foi muito afetada. A situação piorou ainda mais com a crise hídrica no Distrito Federal. Em dois anos, foram mandados embora 10 funcionários.

Luciane avalia que a proatividade e o comprometimento foram cruciais para que permanecesse no cargo. “Quando era necessário cobrir um funcionário, eu estava lá. É preciso conhecer a empresa e não se prender a uma única função. Quanto mais se sabe, melhor para o trabalhador”, analisa.

O trato com os clientes também não pode ser diferente, diz Luciane, para quem uma das regras é evitar dizer não. “Às vezes, alguém chega pedindo para lavar a roupa em uma hora. Fazemos o possível para atender. Todos somos treinados para resolver os problemas”, afirma.

Luciane sonha em retomar o curso de administração, que trancou há cinco anos, ou iniciar uma nova graduação. “O mercado se abre para quem continua se especializando.”

Alexandre
O engenheiro civil Alexandre Resque, 38 anos, conseguiu escapar ao desemprego que atingiu amigos e colegas na recessão. Pai de um menino de três anos, ele concilia a alegria de criar o filho com as preocupações com o ambiente profissional. “Tive medo de perder o emprego. Mas procurei não deixar que isso atrapalhasse meu rendimento. Trabalho com a mesma dedicação. Tenho confiança no que faço”, afirma.

Se perdesse o emprego, Alexandre assegura que não teria problemas em abrir um negócio próprio, como uma lanchonete. “O importante é trabalhar com honestidade, respeito e humildade”, diz.

Na crise, Alexandre reduziu gastos com itens como televisão por assinatura. E não mediu esforços para se manter empregado. Com dinheiro do próprio bolso, participou de cursos e congressos para se atualizar, investimento que rendeu frutos para ele e para a construtora na qual trabalha.

“Sinto-me um vencedor. Saí de Belém, minha cidade natal, há 11 anos, e aqui construí minha história. É gratificante. Só espero que a economia melhore e que meus amigos consigam um emprego.”

Fonte: Correio Braziliense

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