ChatGPT nos levará mesmo a uma semana com 4 dias de trabalho?
À medida que o ChatGPT e outras ferramentas avançadas de inteligência artificial (IA) despertam o interesse de empresas em busca de eficiência, a preocupação aumenta entre alguns funcionários: postos de trabalho serão limados? O que deve acontecer com as profissões mais impactadas pela automação?
Recentemente, no entanto, uma visão pouco temerosa foi abordada pelo economista e professor britânico Christopher Pissarides, vencedor do Prêmio Nobel em 2010: a revolução da inteligência artificial pode trazer benefícios, como a semana de trabalho mais curta – iniciativa que será testada na Europa e Estados Unidos.
“Estou muito otimista de que poderíamos aumentar a produtividade. Poderíamos aumentar nosso bem-estar em geral com o trabalho e tirar mais [tempo para] lazer. Poderíamos mudar para uma semana de quatro dias facilmente“, Nobel de economia Christopher Pissarides.
Em sua percepção, sistemas com IA, se bem usados, resolverão atividades chatas. Isso fará com que humanos tenham tempo para fazer coisas mais interessantes. O processo, contudo, não será imediato. Essa transição vai demorar muito para ter um impacto real, disse. Enquanto isso, os atores da mudança podem ir se adaptando aos avanços da tecnologia.
Cenário exige equilíbrio
Para especialistas brasileiros ouvidos por Tilt, veremos uma mistura das duas previsões: tanto a questão do impacto da IA em profissões tradicionais quanto o tempo livre a ser possibilitado pela automação de processos.
O pedido público de grandes nomes da indústria, pesquisadores e professores (como Elon Musk e Yuval Harari) pedindo paralisação de certas pesquisas com IA, inclusive, não está tão equivocado na visão deles. É importante ter mais elementos sobre potenciais efeitos positivos e riscos.
Previsões iniciais já demonstram que muitos postos, especialmente operacionais, serão eliminados. Um levantamento do banco Goldman Sachs estima até 300 milhões de empregos perdidos.
Ao mesmo tempo, os tipos de inteligência artificial do mercado não podem assumir funções que exijam senso crítico, criatividade e empatia. “E isso [de ela desenvolver tais habilidades] não deve acontecer num futuro próximo”, afirma a especialista em recursos humanos Lina Nakata, professora da FIA Business School.
Ferramentas como ChatGPT foram criadas para agrupar palavras e dar respostas convincentes simulando conversas com humanos. Por mais que em alguns casos a IA pareça ter conseguido raciocinar e compreender ideias, isso não ocorre, o que impossibilita seu uso para exercer certas profissões.
Atividades com maior chance de impacto
Um estudo recente realizado pela OpenAI, empresa que desenvolve o ChatGPT, listou as profissões mais suscetíveis à automação.
Ele não crava que elas deixarão de existir, mas estima que são altamente expostas a sistemas com robô de conversa (chatbot), a ponto de o uso poder concluir tarefas na metade do tempo que humanos as realizaria:
- Contabilistas e auditores, matemáticos, jornalistas, assistentes administrativos e secretários jurídicos
- Engenheiro de blockchain
- Secretário de correspondência
- Taquígrafos e legendadores
- Revisores
- Pesquisadores de mercado
- Intérpretes e tradutores
- Especialistas em relações públicas
- Escritores
Ao mesmo tempo, novos trabalhos existirão
“Quando fazemos uma análise histórica, avanços tecnológicos sempre representaram maiores criações de emprego – foi assim tanto na revolução industrial quanto na digital”, diz Lucas Oggiam, diretor-executivo da empresa de recrutamento PageGroup. “Teremos mais vagas, mas não serão as mesmas vagas.”
O executivo está alinhado com a percepção do Nobel de economia sobre a IA ajudar a liberar profissionais de trabalhos maçantes, permitindo sua potencialização e, eventualmente, jornadas de três ou quatro dias por semana, com garantia de mais tempo disponível para produtividade no trabalho e vida pessoal.
“Vejo essa diminuição da semana de trabalho como uma consequência bastante possível: uma jornada 20% menor é uma redução consideravelmente pequena em comparação com as mudanças que vimos nas últimas décadas”, acrescenta Lina Nakata.
“De uma forma geral, as empresas buscam eficiência em todos os sentidos, e ferramentas como o ChatGPT podem ajudar qualquer profissional a ser mais eficiente em seus trabalhos”, completa ela.
Um levantamento do PageGroup relacionou dez profissões que devem aquecer o mercado de IA:
- Gerente de chatbot (robô de conversa): gerencia e monitora a conversação entre o sistema e usuário.
- Desenvolvedor de chatbot: cria, projeta e implementa chatbots
- Técnico de chatbot: faz a manutenção dos robôs de conversação
- Analista de chatbot: configura e melhora sistemas de chatbot
- Especialista em inteligência artificial: desenvolve soluções para melhorar a capacidade da máquina
- Designer de experiência do usuário de chatbot (UX Designer): desenvolve soluções que melhorem a experiência dos usuários
- Consultor de chatbot: ajuda clientes a desenvolver, implementar e gerenciar bots de chat inteligentes
- Engenheiro de dados para chatbot: constrói e faz a manutenção de algoritmos e bases de dados do chatbot
- Pesquisador de chatbot: desenvolve e aprimora bots
Empresas devem se adaptar logo
O chacoalhão que as IAs generativas (capazes de criar coisas) está causando no mercado de trabalho deve mudar o foco das empresas que contratam: novas competências, como soft skills (habilidades comportamentais) e desenvoltura para lidar com inteligência artificial, por exemplo, devem se tornar mais requisitadas, dizem os entrevistados.
“Para que todos entendam onde podem se encaixar e, de fato, se encaixem, precisamos pensar o quanto antes em modificações fundamentais no modelo atual”, afirma Eduardo Costa, especialista em Lifelong Learning (conceito de aprendizado ao longo da vida).
Para Lina Nakata, empresas precisam criar programas de capacitação urgentemente para que os funcionários entendam e saibam utilizar as novas ferramentas de IA. Essa adaptação precisa acontecer em velocidade semelhante ao surgimento dessas tecnologias. Assim humanos terão mais oportunidades no mercado de trabalho.
Lucas Oggiam sugere que as empresas que conseguirem devem permitir que trabalhadores usem e testem o processo de IA em ambiente controlado para tentar encontrar meios de solucionar problemas — do dia a dia e de projetos. “Se essas pessoas tiverem uma, duas horas na semana para testar formas de colaborar para o processo de execução do seu trabalho será positivo.”
E o que os profissionais podem fazer agora?
“Nessa realidade totalmente diferente, precisamos nos provocar a aprender coisas novas [e não somente IA]”, afirma Oggiam. Sendo assim, de forma geral:
- 1. Pesquise e conheça as inteligências artificiais do momento, saiba como elas funcionam. Se mantenha atualizado sobre tecnologias que poderão impactar as suas atividades no trabalho (algumas podem ser úteis para otimizar seu tempo).
- 2. Fique de olho em suas soft skills e veja como dá para melhorar: a capacidade de comunicação e relacionamento interpessoal ainda são raros no mercado, diz Oggiam. “Isso é algo que a inteligência artificial ainda não pode fazer por nós. Então desenvolver esse lado, por meio de cursos e práticas é importante.”
- 3. Amplie sua capacidade de tomada de decisão. Ela será cada vez mais importante, pois a tendência é que atividades mais operacionais ou consultivas sejam automatizadas.
Fonte: Tilt/UOL