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Comissão de Trabalho Escravo pede que Senado rejeite Reforma Trabalhista

A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) pediu ao Senado Federal que “rejeite dispositivos estranhos ao texto originário” da Medida Provisória 1045 e “que possam representar riscos à efetividade da Política Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo”.

Formada por entidades da sociedade civil e órgãos do poder público federal, ela divulgou nota, nesta terça (31), aprovada pela maioria de seus membros, afirmando que a MP pode impactar até a “lista suja” do trabalho escravo – o cadastro de empregadores responsabilizados por esse crime.

Editada pelo governo federal para reduzir jornadas e salários em meio à pandemia de Covid-19 a fim de proteger empresas e empregos, a MP 1045 ganhou emendas na Câmara dos Deputados que cortam proteções trabalhistas, reduzem a renda dos trabalhadores, criam categorias de empregados de “segunda classe”, pioram as condições de trabalho dos mais jovens e atrapalham a fiscalização da escravidão contemporânea.

Centrais sindicais, o Ministério Público do Trabalho e a oposição no Congresso Nacional vem tratando o projeto de conversão 17/2021, originado da MP 1045, como uma “nova reforma trabalhista”. Aprovada em dois turnos na Câmara, ela está sendo analisada pelo Senado – que tem até o dia 7 de setembro antes dela perder a validade.

Na avaliação do frei Xavier Plassat, coordenador do projeto da Comissão Pastoral da Terra para combate à escravidão, e que tem assento na comissão, “o projeto de lei pretende legalizar formas absurdas de exploração e abolir conquistas trabalhistas essenciais, criando condições para naturalizar novas formas de trabalho escravo e assim devolver o Brasil a um passado sombrio”.

Enfraquecimento da fiscalização, precarização do trabalho e insegurança jurídica

A Conatrae cita como um dos motivos de preocupação com o trâmite da MP 1045 o enfraquecimento da fiscalização do trabalho e a possibilidade de interferência indevida na “lista suja” do trabalho escravo.

A nota cita, por exemplo, a ampliação da “dupla visita”. Isso acontece quando a fiscalização encontra um problema e, ao invés de multar, solicita a sua correção. Apenas em uma segunda inspeção é que ocorre a autuação, caso o problema persista. A dupla visita já existe com infrações leves, mas o projeto aumenta as situações em que ela pode acontecer.

Mesmo que o texto proposto ressalve que ela não se aplica a “irregularidades diretamente relacionadas à configuração da situação” de trabalho escravo ou infantil, a Conatrae acredita que, mesmo assim, pode vir a comprometer a efetividade de operações. “Especialmente porque, sendo tais vínculos trabalhistas resultados de crime do empregador, não há irregularidade concernente às vítimas que não esteja diretamente relacionada com essa prática ilegal”, afirma o texto.

Também afirma que o projeto prevê a possibilidade de anulação de autos de infração, inclusive dos que reconhecem a exploração do trabalho em condições análogas à de escravo, por um conselho revisor tripartite, sem a presença dos auditores fiscais. Isso, segundo a nota, poderia impedir a confirmação da autuação de empregadores e, consequentemente, a inclusão de seus nomes da “lista suja” do trabalho escravo.

O cadastro público criado pelo governo federal, em 2003, e atualizado a cada seis meses, publiciza os nomes dos empregadores responsabilizados por esse crime. É considerado pelas Nações Unidas um dos principais instrumentos de transparência no combate à escravidão em todo o mundo.

Outro problema apontado pela Conatrae é a previsão de novos critérios para o direito à Justiça gratuita, como a exigência de comprovação da inscrição do requerente em cadastros governamentais. A consequência, na opinião da maioria dos membros da comissão, será a criação de barreiras ao acesso ao Poder Judiciário por trabalhadores vulneráveis, que são as principais vítimas do trabalho escravo.

A Conatrae também cita a exposição ao risco de trabalho escravo propiciada por uma precarização das formas de contratação de trabalhadores sem direito às previsões da CLT. Para ela, a possibilidade de contratar trabalhadores com o pagamento de benefícios sem natureza salarial, sem reconhecimento de vínculo empregatício e sem direitos trabalhistas e previdenciários, “gera para um público já socialmente vulnerável, riscos sérios de multiplicar as ocorrências de superexploração nas relações laborativas”. Entre as quais, o próprio trabalho escravo.

Por fim, a comissão afirma que pode ocorrer insegurança jurídica como resultado de recursos e contestações por vícios de forma e de conteúdo dos dispositivos propostos. Na avaliação da comissão, o projeto viola a Constituição ao inserir matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da MP no processo legislativo de sua conversão em lei.

Trabalho escravo hoje no Brasil

De 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território e o governo federal criou o sistema nacional de verificação de denúncias, até o final do ano passado, mais de 56 mil trabalhadores foram resgatados segundo dados do Radar SIT – Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, ligado ao Ministério da Economia.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, cana, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.

Fonte: Blog do Sakamoto/UOL

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