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De catadora de latinha a trainee: ‘Não é só esforço, mas ter oportunidade’

“Nasci na periferia de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e cresci frequentando escolas públicas que não tinham recursos, com mais tempo vago para os alunos do que de aulas. Em casa, éramos cinco: meus avós, eu, minha irmã e minha mãe. Hoje, vejo que éramos da classe D ou E. Minha mãe era diarista e, quando ficou desempregada, eu a ajudava a pegar latinha na rua para levar mistura para casa.

Era esse contexto social. Quando morávamos no morro, era normal ter que ir com saco de lixo no pé para não sujar o sapato, já que não tinha asfalto na rua. Não passei fome, mas comemos ovo, linguiça e mortadela por bastante tempo.

Na escola, me esforçava. E no primeiro ano do ensino médio, ganhei um notebook do governo por ter sido uma das melhores alunas. Mas, com 13 anos, também já trabalhava: vendendo comida na praia com minha tia, como diarista, cuidadora de idosos. Minha realidade era a de não conhecer ninguém que tivesse feito faculdade a não ser meus professores e a diretora da escola.

Aos 16, fui jovem aprendiz, com carteira assinada, em uma empresa de ônibus. E, nesse período, acabei conhecendo a profissão de engenharia ambiental, na visita a uma ONG. Quis fazer isso. Aos 18, terminei meus estudos, fiz Enem, vestibular para o curso de engenharia florestal na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica.

Comecei a faculdade, mas precisava trabalhar. Era muito difícil, porque ao mesmo tempo que estudava, fazia panfletagem, por exemplo, ganhando R$ 40 por dia. Reduzi as matérias para intercalar o trabalho com o estudo, vendia acessórios, cuidava de idosos. Ainda assim, ou pagava a passagem para chegar às aulas ou me alimentava. Em 2017, tive que parar o curso.

Foram quase 10 anos desde a primeira vez em que entrei em uma faculdade a minha formatura, que aconteceu no final de 2021. De fato não é só sobre esforço, mas sobre oportunidade.

Quando entrei como recepcionista na Fundação Getúlio Vargas, a FGV, sabia que poderia ter uma bolsa de estudo na área de tecnologia. Pensei: é a minha chance. Em 2019, comecei o curso de processos gerenciais.

Durante o curso, perdi minha avó, tive endometriose e precisei de muito suporte. As pessoas da faculdade achavam que eu iria até desistir.

Hoje, sou uma mulher, negra, periférica, vinda de escola pública, dentro da área de tecnologia. Mas, muitas vezes ouvi ‘não’ e sei que por ser mulher, já crescemos numa velocidade menor; sendo negra, é sempre correr mais para conquistar. Sem contar que há preconceitos no mercado, que me fazem ter que provar muito do que sou.

Foi trabalhando lá na FGV, depois sendo promovida para área de colocação profissional e tendo acesso a um mundo que não conhecia, que passei a entender o mundo corporativo, possibilidades de carreira. Assim, fiz uma mentoria, diversos projetos e acabei de entrar em um programa de trainee de uma empresa de cosméticos em que fui selecionada de 30 mil inscritos para a turma de 14 pessoas. Eu me formei em uma das universidades mais renomadas da elite brasileira e digo com muito orgulho: é apenas o começo.

Minha intenção é sempre abrir portas para outras pessoas, porque também já fui a pessoa que fez cursos online destinados a jovens talentos negros. E onde estou me sinto bem porque a empresa realmente trabalha as questões de diversidade; no trainee, 67% das pessoas são negras, e hoje consigo fazer reuniões com diretores, vice-presidente, sem sentir que terei problema com o meu cabelo, por exemplo, algo que sempre me sufocava nos outros trabalhos. Trabalhei na área de melhoria de diversidade no digital commerce dessa organização. E não tem racismo ou preconceito que me pare.”

Natália Nascimento, 28 anos, trainee na área de business, Nova Iguaçu (RJ)

Fonte: Universa/UOL

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