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Golpe de 64: há 58 anos começava ditadura violenta que deixa marca até hoje

Por Natalia Timerman Colunista de Universa

A tia da minha amiga desapareceu.

Não voltou para casa um dia, nem em outro, nem em outro, não voltou nunca mais.

Minha amiga tem um silêncio como tia; a mãe dela perdeu a irmã.

Hoje sabemos que a irmã dela está morta, e que o silêncio não pertence só à sua família, ocupando o lugar onde antes existia uma mulher, onde antes estava Iara Iavelberg.

É um silêncio muito maior, que pertence às entranhas do nosso país, que constitui nossa história e, enquanto não for devidamente gritado, continuará vigente, apodrecendo, abrindo buracos antigos no nosso futuro, buracos nos quais continuamos caindo.

Estamos em um deles, agora, por sinal, desde as eleições de 2018.

Ou melhor: desde o golpe de 2016.

Golpe de 2016: é necessário chamar as coisas pelo nome.

É necessário dizer que o que houve em 1964 foi um golpe, porque senão a palavra golpe continuará nos assombrando.

É necessário dizer que, além da tia da minha amiga, a ditadura que se instalou então matou quase 500 pessoas — número que deve ser muito maior, mas cuja exatidão jamais teremos acesso.

É necessário lembrar que, segundo a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da SEDHPR, 50 mil pessoas foram presas nos primeiros meses e 20 mil pessoas passaram por cruéis sessões de tortura, e que a ditadura brasileira nunca foi branda.

É necessário lembrar os nomes dos torturadores e saber que um torturador jamais deve ser homenageado.

É necessário jamais, jamais, jamais permitir que chegue ao poder alguém que homenageie a figura abjeta de um torturador.

É necessário lembrar que, no golpe de 2016, uma pessoa reverenciou outra ao proferir seu voto; é necessário nunca esquecer que Jair Messias Bolsonaro exaltou Brilhante Ustra, torturador da presidenta Dilma Rousseff, e que ela estava então sendo retirada do poder.

É necessário lembrar que nada foi feito na ocasião, e que hoje este homem ocupa o lugar da presidência de nosso país.

É necessário tirar nosso país da rota do absurdo.

É necessário ler, é preciso lembrar, é importante saber.

É valioso entender que há lacunas de informação que não serão preenchidas, e que a literatura brasileira nos oferece a ficção, não para preencher nossas falhas históricas, mas para apontá-las.

“O corpo interminável”, de Claudia Lage.

“K., relato de uma busca”, de Bernardo Kucinski.

“As meninas,” de Lygia Fagundes Telles.

“Mar azul”, de Paloma Vidal. E tantos, tantos outros.

Minha amiga vai continuar tendo como tia um vazio.

Jamais apagaremos Bolsonaro de nossa história.

Mas ainda temos chances de voltar a ser um país: é necessário dizer em voz alta que hoje, dia 1º de abril, há 58 anos, foi o primeiro dia de um governo longo, violento e autoritário que deixa marcas até hoje.

Fonte: Coluna Natalia Timerman de Universa/UOL

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