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‘Morei na rua, passei fome e hoje começo a estudar em universidade pública’

Tiago Juvenal fez pré-vestibular gratuito em Salvador – Imagem: Amanda Chung/Secretaria de Educação da Bahia

A partir de hoje, o ex-morador de rua Tiago Juvenal dos Santos, 40, começa uma nova vida. Nesta segunda-feira (11), ele se torna aluno de uma universidade pública, no curso de teatro da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), em Senhor do Bonfim (a 382 km de Salvador).

Tiago quer seguir carreira de ator na televisão, “tipo um Lázaro Ramos da vida”, diz, citando seu ídolo.

Órfão, ele viveu nas ruas de São Paulo da adolescência até o ano passado, quando foi para a Bahia e conheceu um programa do governo do estado que oferecia cursinho pré-vestibular gratuito a pessoas em situação de rua. A aprovação veio meses depois.

Vida na rua em SP, à base de doações
Tiago é do Rio de Janeiro, mas foi levado pela mãe ainda recém-nascido para o Espírito Santo, onde morou até a adolescência.

“Minha mãe não tinha condições psicológicas nem financeiras de cuidar de mim. Alguns anos depois, ela morreu. Fui criado na casa de algumas famílias, mas não deu certo. Fui crescendo e cuidando de mim. Nunca deixei de estudar, porque sabia que aprender a ler e escrever seria meu passaporte para o futuro”, Tiago Juvenal.

Em algum momento da adolescência —Tiago não sabe dizer quantos anos ele tinha— foi morar em São Paulo, onde acabou vivendo em situação de rua por anos. Quando buscava centros de acolhimento, diz que sofria preconceito.

“Sou um homem negro, gay e órfão de pai e mãe. Escapei da fome e do frio, e sempre corri atrás de uma posição melhor na vida. Nunca tive” apoio familiar, então procurei sobreviver em meio às lutas”, Tiago Juvenal.

Nas ruas, batia de porta em porta pedindo comida e recebia doações de grupos que distribuem alimentos em praças e locais públicos. Diz que a rua impõe desafios piores que a fome e o frio.

“Como sou um cara que não parto para agressão, fui muito testado, eram muitas provocações. Se a pessoa me olhasse e não fosse com a minha cara, começava uma perseguição. Sempre precisei fingir que estava tudo bem para sobreviver, mas tive de me humilhar em alguns momentos”, Tiago Juvenal.

Mudança para Salvador
Há dez meses, Tiago decidiu sair de São Paulo e ir para Salvador, na Bahia. Enfrentou um vaivém de auxílios do governo, suspensões e albergue, até que foi parar na rua de novo.

“Logo que cheguei, meus auxílios foram bloqueados. Procurei o Centro Pop [casa destinada a pessoas em situação de rua], e a equipe me ajudou. Fui para o primeiro albergue, onde fiquei dois meses e meio. Depois, consegui o auxílio-moradia e aluguei um espaço. Mas um mês depois, o auxílio foi bloqueado, e voltei de novo para a situação de rua”, Tiago Juvenal.

O agora estudante de teatro foi alocado em um centro de acolhida, o Adra 2, algumas semanas mais tarde, com apoio de um movimento social, o MPR (Movimento População de Rua).

Foi nesse centro de acolhida, por meio da coordenadora do local, que Tiago ficou sabendo da oportunidade de fazer cursinho de graça.

“Não pensei duas vezes e falei: ‘claro que eu quero!’ Ela então disse que ia me inscrever. Fui o único do albergue que se interessou”, Tiago Juvenal.

A turma de Tiago foi a primeira do programa Universidade para Todos dedicada à população de rua. Apesar de ter o mesmo nome, o programa não tem nenhuma relação com o Prouni, do governo federal. As aulas aconteciam três vezes por semana, e os alunos receberam material didático, uniforme e refeições.

No primeiro dia de aula do cursinho, Tiago foi acompanhado por uma assistente social, Amanda Alves Rocha.

“Nós sabemos a importância de acompanhar as questões do acolhido. Buscamos sempre ajudá-lo com as pesquisas na internet e outros recursos para complementar as aulas do pré-vestibular”, Amanda Alves Rocha, assistente social

Tiago prestou vestibular em dezembro do ano passado, após frequentar o cursinho por três meses. No final de janeiro, foi aprovado. Ele diz que é preciso popularizar o projeto e levá-lo a outros locais do país.

“Agradeço o movimento de defesa da população de rua e o governo do estado. Precisamos dessa oportunidade para que possamos alcançar um curso superior. A gente lutou, gritou, e agora estamos aí”, Tiago Juvenal.

Fonte: Coluna Carlos Madeiro no UOL