O 1% rico do país e a mentira neoliberal espalhada pelo MBL
Vemos atualmente o que a candidatura presidencial de Collor havia feito em 1989, ao colocar sobre o funcionalismo público todos os problemas do país. Mas o grande responsável pela desigualdade continua sendo o setor privado
por Marcio Pochmann*
Vídeo difundido pelo WhatsApp e que traz a sigla MBL (Movimento Brasil Livre, de extrema direita) revela que o 1% mais rico da população do país seria constituída por funcionários públicos federais (políticos, diplomatas, auditores fiscais e membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Banco Central, Companhia de Valores Mobiliários) e não por grandes empresários. Em virtude disso, a desigualdade no Brasil, em vez de ser explicada pela natureza da dinâmica capitalista, seria expressão dos “marajás federais” que se apossaram do Estado, tornando-o desnecessário e promotor de desigualdade, ademais de financiado por elevada carga tributária a atingir fundamentalmente os mais pobres.
Para o IBGE/Pnadc, dos 207,1 milhões de habitantes estimados para o ano de 2017, 125,4 milhões possuíam rendimentos de diversas fontes, indicando que a cada grupo de dez brasileiros, seis possuíam alguma forma de renda. Tomando-se como referência apenas o segmento representado pelo 1% mais rico dos brasileiros com renda, cujo piso do rendimento auferido é de 15 mil reais mensais, pode-se identificar algumas características principais do perfil dos brasileiros mais ricos.
A cada grupo de quatro pessoas com rendimentos pertencentes ao 1% mais ricos, por exemplo, um encaixa-se na condição de funcionário público (3,7% do total dos 11,5 milhões de servidores públicos do país). O segmento dos funcionários públicos (civis e militares) que faz parte do 1% mais rico no Brasil é composto por 45,8% empregados da União, 40,1% dos estados e 14,1% dos municípios.
Assim percebe-se que o agrupamento dos funcionários públicos federais responde por 11,9% do total das pessoas que pertence ao segmento do 1% mais rico do país. Além disso, constata-se também que a composição dos funcionários públicos que fazem parte do 1% mais rico não se apresenta concentrada em poucas categorias profissionais.
As principais profissões do serviço público federal que fazem parte do 1% mais rico do país estão representadas por 9,3% de professores universitários, 6,9% de oficiais das Forças Armadas, 6,7% de profissionais do direito, 5,8% de gerentes de bancos, serviços financeiros e seguros e 5,7% de contadores. Essas cinco profissões, por exemplo, respondem por menos de 29% do total dos servidores públicos cujo elevado rendimento mensal os fazem pertencer ao 1% mais rico da nação.
A mentira neoliberal propagandeada atualmente repete o que a candidatura presidencial de Collor havia feito em 1989, ao colocar sobre o setor público todos os problemas do país. A redução do Estado, a perseguição de funcionários públicos e o corte dos investimentos públicos e dos rendimentos não diminuem a pobreza, muito menos a desigualdade social no Brasil, ante o contrário.
Aliás, com base no Ibge/Pnadc, cerca de três quartos (ou seja, 75%) do segmento que representa o 1% mais rico no Brasil se constitui por pessoas com rendimentos auferidos justamente no setor privado. Por conta disso, constata-se que a desigualdade brasileira não se assenta fundamentalmente nos servidores públicos federais enquanto “categoria de marajás’ mas, sobretudo, na alta renda do setor privado, o que comprovaria a natureza desigual da dinâmica capitalista.
No setor público registram-se privilégios que devem ser combatidos, assim como a adoção de medidas voltadas à elevação da eficiência e funcionalidade do Estado, mas que dificilmente será possível de alcançar com o receituário neoliberal. A adoção de uma reforma tributária progressiva, que onerasse justamente os mais ricos, justamente os segmentos pertencentes ao setor privado, seria extremamente positiva para o enfrentamento das desigualdades no país.
Estaria o MBL disposto a fazer mea culpa e passa a defender correções na dinâmica capitalista brasileira?
*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.