Renda de 18,7 milhões de brasileiros fica abaixo do mínimo
O número de pessoas que ganham menos de um salário mínimo aumentou em 2,75 milhões nos últimos dois anos e atingiu 18,7 milhões de pessoas. No segundo trimestre deste ano, a proporção de pessoas com renda inferior ao mínimo nacional R$ 937 em 2017 estava em 20,7% do total de empregados, acima dos 17,7% do mesmo período de 2015.
O levantamento foi realizado pelo LCA Consultores nos microdados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), a pedido do Valor, e considera o rendimento habitualmente recebido em todos os trabalhos. Para especialistas, o resultado reflete o processo de precarização do emprego durante o período de recessão no país.
Cosmo Donato, economista da LCA e autor do levantamento, diz que mais pessoas estão dispostas a receber menos que o salário mínimo para continuar no mercado de trabalho. Trata-se de desdobramento das perspectivas ruins de obtenção de emprego e também da perda do poder aquisitivo enfrentada pelas famílias brasileiras ao longo de dois anos de crise.
“Muitos chefes de família perderam o emprego e buscaram uma ocupação sem registro de carteira. Familiares com menos capacitação do que esse chefe de família também tiveram que ingressar no mercado, via informalidade, para complementar a renda de casa. A perda de poder aquisitivo foi alavancada durante a crise”, diz Donato.
Dados do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de pessoas empregadas no setor privado formal ficou 7,2 % menor de junho de 2015 a junho deste ano – 2,6 milhões de pessoas a menos. No período, o total de trabalhadores sem carteira cresceu 6%, em 556 mil pessoas. Os trabalhadores por conta própria( autônomos, como camelôs e manicures) cresceram em 443 mil, alta 2%.
Segundo o economista, esse movimento de contingentes da formalidade para informalidade influencia a pesquisa porque o rendimento médio habitual no setor privado com carteira (2,025) é maior que o do setor privado sem carteira(R$1.197). O trabalhador por conta própria, por sua vez, tem rendimento médio de R$ 1.542, segundo estatística do instituto.
“Dessa forma, é de se esperar que a quantidade de pessoas recebendo menos que o salários mínimo dentro dessas duas últimas categorias é muito grande”, avaliou o economista da LCA.
A fórmula de reajuste do mínimo também influencia o resultado, ao carregar a inflação do ano anterior e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Isso sob a “régua” da pesquisa. Ou seja, um trabalhador informal que ganhava R$ 900 estava acima do equivalente ao mínimo de 2016. Com o reajuste em 2017, sua renda passa a ser menor que o mínimo.
“O salário mínimo continuou crescendo em termos reais por conta da legislação e da queda da inflação em queda e muita gente na informalidade não conseguiu acompanhar o salário mínimo[diante da crise]”, disse João Sabóia, professor do Instituto de Economia da UFRJ, para quem o reajuste no início do ano está por trás dos picos de pessoas que recebem menos que o mínimo nos primeiros trimestres.
Fernando Holanda, economista do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra que o setro formal pode pagara salário mensal abaixo do mínimo, no caso de jornadas reduzidas. “No futuro vai ser possível reduzir a jornada, com a reforma trabalhista, mas é difícil imaginar que isso tenha acontecido de 2015 para cá. O suspeito pelas dados é a informalidade”, disse o economista.
Existem, porém, sinais positivos para frente. No período de junho a agosto deste ano, o emprego com carteira assinada no setro privado cresceu 0,5% frente aos três meses anteriores. São apenas 154 mil postos a mais , porém trata-se do melhor resultado desde o trimestre encerrado em julho de 2014 (481 mil). O mercado de trabalho reage mais rapidamente do que o esperado.
Segundo o economista da LCA, as empresas voltarão a contratar dentro da formalidade, de forma gradual, à medida que a economia continue a se recuperar em 2018 e 2019. Nesse movimento, trabalhadores informais vão migrar para o setor formal, o que inclusive pode levar a taxa de desemprego a recuar. ” A LCA prevê que o percentual de pessoas ganhando menos que o mínimo tenda a se reduzir gradualmente”, avalia.
Fonte: Valor Econômico