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Total de terceirizados no país pode dobrar se projeto for aprovado

A aprovação da terceirização da atividade-fim das empresas tal como está colocada no Projeto de Lei 4.330 tem capacidade para dobrar o número de trabalhadores terceirizados no país, atualmente 12 milhões entre os quase 50 milhões que têm carteira assinada. A constatação, feita por economistas e sociólogos do trabalho, vem da própria estrutura do mercado de trabalho brasileiro, formado em sua grande maioria por profissionais pouco qualificados, que recebem baixos salários e que, por consequência, exercem funções que podem ser mais facilmente “terceirizáveis”.

De acordo com os dados mais recentes da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), de 2013, cerca de 50% das vagas formais pagam até dois salários mínimos e 33% são preenchidas por pessoas que não concluíram o ensino médio.

A possibilidade de contratar funcionários de outras empresas para realizar funções ligadas à atividade econômica principal das companhias é o aspecto do texto-base, aprovado no dia 8 de abril, mais atacado por grupos contrários à medida – cujas propostas de alteração serão votadas nesta quarta-feira (22).

Para esses grupos, a medida significaria uma rápida deterioração das condições do mercado de trabalho, porque, embora os funcionários terceirizados sejam contratados sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na prática eles têm acesso marginal ao sistema de proteção social garantido pela legislação.

Os defensores da medida, por sua vez, afirmam que a lei deverá corrigir lacunas da regulamentação atual – a Súmula 331 do TST, que permite a terceirização apenas das atividades-meio – e dar maior segurança jurídica às contratações de prestação de serviços.

Entidades empresariais argumentam que o aumento no volume de terceirizados deve elevar o nível de especialização dos trabalhadores e, por consequência, a competitividade da economia brasileira. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que apoia o projeto, refuta a possibilidade de precarização do mercado de trabalho e afirma que os direitos dos trabalhadores serão garantidos por dispositivos como o fundo-caução, que será usado para pagar os trabalhadores em caso de inadimplência das empresas terceirizadas. A entidade também cita a previsão de que as tomadoras de serviço serão responsáveis pelas condições de segurança, saúde e higiene dos funcionários.

Para Paulo Skaf, presidente da Fiesp, a regulamentação estimula o investimento, ao estabelecer um marco legal para a terceirização, e possibilita a abertura de novas vagas. Rodrigo Leandro de Moura, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a medida deve gerar redução do número de trabalhadores informais, já que flexibiliza a rígida legislação trabalhista em vigor. Levantamento feito pelo professor Ruy Braga, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), indica que os 12,7 milhões de terceirizados – 26,8% das quase 50 milhões de vagas com carteira assinada – poderiam chegar perto de 30 milhões em quatro ou cinco anos. A análise, realizada sobre os números da Rais, foi baseada no texto aprovado no dia 8 – antes, portanto, dos destaques e emendas que ainda podem ser acrescentados na Câmara na votação marcada para quarta-feira.

Entre 2003 e 2013, diz Braga, foram abertos no Brasil 20,5 milhões de empregos formais, 8,7 milhões dos quais terceirizados. Das quase 12 milhões de vagas contratadas diretamente pelas empresas, afirma, 11,3 milhões têm remuneração de até 1,5 salário mínimo. “Essa é a fatia que seria preferencialmente terceirizada em um primeiro momento”, avalia.

A esse número se somariam os 2,5 milhões de trabalhadores do setor público e privado que devem se aposentar nos próximos cinco anos – que também seriam substituídos por funcionários contratados de outras empresas – e mais 1,5 milhão de funcionários qualificados, pouco mais de 10% do total de 13 milhões atualmente empregados. Nesse último caso, afirma Braga, a terceirização se daria por meio da contratação dos funcionários como pessoas jurídicas ou por pequenas cooperativas – movimento apelidado de “pejotização” pelas Centrais Sindicais.

As estimativas consideram que o total de vagas disponíveis na economia se mantenha constante no período. Braga ressalta, entretanto, que o cálculo serve mais para apontar uma tendência que se desenha para o mercado de trabalho no médio prazo do que para balizar projeções numéricas. “Se a lei for aprovada, as proporções que existem hoje vão se inverter – a maioria dos empregos no Brasil vai passar a ser terceirizada”, diz.

Ainda que os terceirizados sejam contratados como celetistas, acrescenta Braga, eles são atendidos de forma apenas parcial pela legislação trabalhista. A taxa de rotatividade mais alta e a frequência maior de contratos temporários dificultam o acesso a benefícios como o 13° salário e as férias anuais, afirma o sociólogo.

“Na prática, a CLT deixa de existir”, diz o professor Adalberto Cardoso, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Para ele, o setor que terceirizaria de forma mais rápida as atividades consideradas principais – que pela legislação atual têm de ser contratadas diretamente – seriam os serviços. “Vendedores, caixas de supermercado, todos os serviços prestados diretamente ao público”, exemplifica. O potencial de terceirização também é grande na esfera pública, afirma o sociólogo, especialmente em períodos de política fiscal contracionista.

Nas propostas de alteração do projeto de lei, apresentadas semana passada, os deputados excluíram apenas as empresas públicas, não as funções ligadas à administração pública, lembra Braga. Na indústria, onde a necessidade de mão de obra treinada e qualificada é grande, haveria uma resistência maior por parte das empresas para promover uma grande substituição do quadro de funcionários, pondera Cardoso.

Levantamento da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na CUT a partir dos dados da Rais de 2013 indica que esses trabalhadores ganham em média 25% menos do que aqueles contratados diretamente, trabalham três horas a mais por semana e permanecem 2,7 anos no mesmo emprego, contra 5,8 anos nos setores contratantes.

Em ambos os grupos, cerca de 46% do total de funcionários têm ensino médio completo. Nos segmentos chamados contratantes, a participação de quem tem ensino médio ou ensino superior é maior – 72,7%, contra 58,5%. O Ministério do Trabalho não divulga estatísticas periódicas consolidadas sobre a terceirização no Brasil.

Fonte: Valor Econômico