Artigos de menuUltimas notícias

Alta da fome alavanca compra de votos no sertão nordestino: ‘Já é visível’

A escalada da fome no Brasil aumentou as preocupações de entidades do semiárido nordestino e fez lançar um alerta sobre a necessidade de se conter a compra de votos em meio à maior vulnerabilidade das famílias na região.

O semiárido inclui parte do Nordeste e norte de Minas Gerais e tem um longo histórico de uso político das fragilidades da população para obter vantagens eleitorais indevidas. Se no passado a principal promessa (falsa) era garantir água, os focos neste ano estão em comida e promessa de emprego.

Por isso, para as eleições de 2022, a ASA (Articulação do Semiárido) —organização que reúne 3.000 entidades— novamente encabeça a campanha “Não Troque o Seu Voto”, focando em mostrar o assédio a pessoas pobres como alavanca para a compra de votos.

Maria Conceição Ferreira, 61, é presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Feira de Santana (BA), maior cidade do interior do Nordeste, com 619 mil habitantes. Ela afirma que já percebe uma grande movimentação entre políticos para se aproximarem do eleitorado do campo.

“A cesta básica chega, e ela vem primeiro. Depois vem a promessa da água, do emprego. Isso já é visível. Percebe-se facilmente o assédio às pessoas que estão passando por todo tipo de necessidade”, afirma.

Ela conta que tem percebido uma enxurrada de promessas de ajuda para problemas financeiros. “Eles pagam conta de luz e fazem oferta de emprego. Quem está na situação de desespero, tem filho desempregado, acaba sendo influenciado no voto”, diz.

“Isso pode ser visto nas pessoas chamadas para trabalhar em campanhas. Elas pagam R$ 15 pelo dia e dão promessas de que vão contratar as pessoas depois”, completa.

Para Ferreira, isso é fruto da paralisação de políticas públicas no interior do Nordeste, como o programa Cisternas, do governo federal, que fez mais de 1 milhão de cisternas até 2016, mas teve novos contratos praticamente paralisados pela atual gestão federal.

“Nós temos muitas políticas interrompidas, o que nos deixa em um momento delicado. E estão usando a precarização das pessoas no campo para obter vantagens”, Maria Conceição Ferreira, sindicalista.

Antes era a água…

Lúcia Maria de Lira e Silva, 68, trabalhou por 29 anos na assessoria da Fetape (Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco). Hoje em Angelim, no agreste pernambucano, ela conta que essas cidades dependem muito da agricultura familiar de subsistência e atualmente estão enfrentando uma grave crise.

“Aqui no semiárido sempre foi comum [a compra de votos], mas antes era mais forte em relação à água. Como teve muita cisterna implantada e sistemas de abastecimento, isso vinha sendo reduzido um pouco”, diz.

Entretanto, com a pandemia e a paralisação das compras dos produtos da agricultura familiar, a cidade passou a ter dificuldades financeiras, mesmo com acesso à água garantido pelas cisternas.

“A água não é mais um produto que garanta voto, porque você teve políticas públicas que nos ajudaram muito. Hoje não é mais o principal problema”, Lúcia Maria de Lira e Silva, que vive no agreste de Pernambuco.

Promessas para todo gosto

O agrônomo Paulo Pedro de Carvalho, que é militante da agroecologia e integra a coordenação da ASA em Pernambuco e da ONG Caatinga, cita que as entidades do semiárido receberam, nos últimos dias, relatos de “promessa de emprego, água, dinheiro, infraestruturas produtivas e sociais”.

“As pessoas estão muito vulneráveis, com muitas perdas de direitos —inclusive de alimentação— e desacreditadas nas ações políticas”, diz.

Juntando a essa descrença com a vulnerabilidade econômica e social, diz, “eles aceitam qualquer coisa em troca do voto”. “Por isso se faz necessário reanimar a população e chamar a atenção para as consequências e responsabilidades no ato de voto.”

Para ele, a única forma de garantir a participação popular na defesa e manutenção de direitos é com políticas públicas adequadas. “Isso tem que ser construído em processos participativos e depende do resultado das eleições dos/as representantes do povo

Entretanto, ele afirma que hoje percebe os sertanejos mais organizados e conscientes.

“Pelo menos vemos isso em uma boa parcela que participa de organizações, movimentos sociais, redes, conselhos e comitês de controle social. Apesar de a internet confundir e alienar, ela também ajuda na informação. O desafio é orientar e sensibilizar a população para escolher bem”, Paulo Pedro de Carvalho, da ASA.

A cientista política Luciana Santana, professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), ressalta que a compra de votos não é uma exclusividade do Nordeste, mas diz que é natural que a prática ocorra com mais frequência na região, por concentrar o maior número de famílias em vulnerabilidade social —metade dos beneficiários do Auxílio Brasil estão ali, por exemplo.

“Pessoas em maior vulnerabilidade estão mais propensas a várias situações, inclusive em ceder à proposta de compra de votos”, Luciana Santana, da Ufal.

Ela diz que, no atual cenário de grande parte da população desprotegida social e economicamente, é esperado que também aumente a procura de políticos com promessas de vantagens para ganhar votos.

“Quando a fome bate à porta, vem uma situação extremamente grave que impacta áreas diversas. Uma pessoa com fome não tem minimamente condições de trabalhar, estudar, tomar decisões. Isso que ocorre quando se tem maior vulnerabilidade social, econômica e psicológica”, finaliza.

Fonte: Coluna Carlos Madeiro/UOL

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.