Igreja Católica faz defesa de igualdade, direitos civis e meio ambiente em eleições do Brasil
Magistério do papa Francisco influencia debates de temas como diversidade e justiça social, com base nas Encíclicas atuais do Vaticano
Num contexto de violência nunca visto no país desde a redemocratização, e a caminho das eleições, a Igreja Católica fomenta discussões políticas por meio de um caderno de princípios intitulado Encantar a Política. A publicação saiu em ano eleitoral não por acaso. É obra de organismos como as Comissões Episcopais Pastorais para o Laicato e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a principal entidade católica brasileira.
A ideia é trabalhar na perspectiva das encíclicas do papa Francisco, que mudou a orientação da atuação episcopal a partir do Vaticano. A ação pastoral da Igreja está cada vez mais voltada ao atendimento de segmentos sociais vulneráveis. Com isso, traz novamente ao centro de suas preocupações o trabalho com valores de solidariedade universal, apoio aos mais pobres e promoção de direitos. Os católicos no Brasil são estimados em mais de 50% da população brasileira, mas número mais preciso será mostrado pelo Censo de 2022 do IBGE. Na última pesquisa Genial/Quaest, divulgada quarta-feira (18), Lula vence entre os católicos por larga margem: 52% a 27%.
O projeto busca aplicar esses princípios à realidade atual. Em várias partes do Brasil, por exemplo, grupos debatem temas como diversidade e meio ambiente, com base nas Encíclicas de Francisco Laudato Sí (ambiente) e Fratelli Tutti (política como espaço de construção do bem comum).
“A ideia é enfrentar o discurso de criminalização da política, que elegeu os outsiders que usam discurso religioso para disseminar ódio. Isso atinge todo tipo de público: grupos de reflexão no interior, sindicatos, comunidades de base, comissões de justiça e paz, catequistas”
A afirmação é de Robson Sávio, que coordena o projeto Encantar a Política e Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC-Minas Gerais.
Tradição após redemocratização
Segundo ele, parte significativa do eleitorado católico brasileiro tem tendência histórica de votar, após a redemocratização, em candidatos com pautas não somente relacionadas a valores morais e a ideia de família. Mas que também consideram a doutrina social da igreja: justiça social, temas econômicos, igualdade, promoção dos direitos dos pobres e, claro, direitos civis e políticos. Não por acaso, esse mesmo trabalho de base era feito por segmentos que, entre outros, deram origem ao próprio surgimento do Partido dos Trabalhadores.
Nos últimos dois anos, junto à sociedade civil, a CNBB tem se manifestado de forma contundente a favor da vacina contra a covid-19, da distribuição de renda, contra o negacionismo. O fiel católico, mesmo com a moral cristã na base de seus atos, percebe, intuitivamente, que Bolsonaro explora a ideia de religião a partir de uma pauta puramente moralista, conservadora e sem compaixão, o que ficou demonstrado na pandemia.
Desse modo, agride princípios cristãos ligados aos valores evangélicos pelos pobres, o que o bolsonarismo chamaria de igreja “comunista”. Mas que nada mais são do que a base espiritual dos próprios evangelhos. “Nesse sentido, Lula trabalha a ideia de igualdade e justiça social não armamentista, humanista, da paz, que tem a ver com a doutrina social da igreja que tem capilaridade no seio da Igreja Católica. Um eleitorado que já conhece esses temas fica ao lado de Lula, que naturalmente é mais próximo da doutrina social da igreja”, diz Savio.
Influência do Vaticano
O magistério de Francisco influencia diretamente a igreja institucional, o episcopado e o clero. Essa influência chega ao povo ou nas própria celebrações e também por trabalhos como Encantar a Política. “Se a igreja não toma partido, ela sinaliza princípios, norteadores éticos, para a votação e escolha de candidatos”, acrescenta professor.
Para o educador e pesquisador Eduardo Brasileiro, do mesmo núcleo da PUC-MG, um dos objetivos do Encantar a Política é “desfazer a ojeriza à politica por meio da participação na própria política e no trabalho coletivo”. Apesar do notório conservadorismo em setores não desprezíveis da Igreja, há na CNBB unidade no discurso contra o negacionismo e contra Bolsonaro, desde a pandemia.
Com a disseminação das ideias de Francisco – não por acaso muito semelhantes à Igreja Brasileira de Dom Paulo Evaristo Arns – os setores mais conservadores ficam inibidos de subir no altar, por exemplo, para dizer que o comunismo vai fechar igrejas, apesar dos muitos padres conservadores.
No dia 16 de julho, um sábado, a Catedral da Sé, em São Paulo, foi palco de uma celebração simbólica da nova Igreja de Francisco. Num ato ecumênico e inter-religioso, em homenagem ao indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, assassinados na Amazônia, o bispo dom Pedro Luiz Stringhini, da Diocese de Mogi das Cruzes (SP), fez um discurso histórico, pela memória dos dois mortos, pelos povos indígenas e pela democracia. O bispo foi muito aplaudido e emocionou as pessoas presentes.
Fonte: Rede Brasil Atual