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Mães solos expõem perrengues: ‘Tive que mentir pra conseguir emprego’

Apesar do amor “incondicional”, definido por muitas mulheres, os desafios da maternidade tendem a ser bem mais intensos quando não há um par por perto, ajudando a enfrentar as situações cotidianas – boas e ruins. Ser mãe solo, ou seja, assumir a criação dos filhos, nos âmbitos financeiro, educacional e afetivo, muitas vezes totalmente desamparada, traz uma série de reflexos no bem-estar feminino. Isso porque suprir a paternidade ausente e manter a saúde mental em dia são obrigações que não costumam oferecer alternativas – afinal, uma vida (ou mais) vida depende dela.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 11 milhões de mães inteiramente responsáveis pela criação dos filhos. Para entender um pouco mais as dores e as dificuldades da maternidade solo real, conversamos com algumas dessas mulheres, que compartilham vivências e desabafos incômodos.

A exaustão da solidão

“Ser mãe solo é você chegar exausta em casa e não poder tomar um banho direito. É ter que tomar um banho de gato porque o nenê chora e a outra criança está querendo conversar, precisando de atenção. É sentar à mesa e pensar ‘agora eu vou comer’ e começar o choro ou acontecer um imprevisto.

Não lembro quantas vezes já esquentei um prato três vezes no micro-ondas tentando comer. Você esquece de tomar banho, esquece de escovar os dentes, você esquece de você.

O que mais sinto é falta de um apoio e o que mais precisava era de alguém que me ajudasse por, pelo menos, 15 minutos para eu poder tomar um banho ou conseguir me alimentar.

“Às vezes, acho que não sou uma boa mãe, porque, além de tudo isso, sou apontada – como dizem muitas pessoas – como a ‘mãe solteira’. E ser mãe não é estado civil, porque ser mãe não é meu estado civil. Sou solteira por minha parte; dos meus filhos, sou a mãe e sou inteiramente sozinha para tudo”, Regiane Duarte, 31 anos, analista de administrativo, de São Bernardo do Campo, mãe de Fernando, 10 anos, e Miguel, de 6 meses.

Dificuldade em arrumar emprego e nos relacionamentos

“Quando me divorciei, não conseguia arranjar emprego. Nas entrevistas, me perguntavam sobre como estava me sentindo em relação ao divórcio e quem ficaria com minha filha para eu trabalhar.

No começo, eu falava a verdade, até que percebi que só a mentira me faria arranjar emprego. Comecei a dar respostas diferentes: que já estava recuperada do divórcio e havia muita gente para ficar com a Julia. Quando percebia, estava avançando nos processos seletivos. Em poucos meses, estava empregada.

Na época, não contava com rede de apoio. Minha filha ficou um pouco com uma tia e, depois, consegui uma creche. Quando ela ficou maior, tentei deixá-la sozinha, em casa, mas não consegui por medo. Por fim, dava quase meu salário inteiro para a tia do meu marido ficar com ela.

“Para conseguir ter um relacionamento continua complicado. Minha filha está com 16 anos, me separei quando ela tinha 4 anos.

“O pai dela já se casou três vezes e eu, ainda nada. Só tive relacionamentos mais curtos – e foram poucos. A questão é: se o relacionamento fica muito sério, naturalmente a Julia seria envolvida. Mas e se não der certo?”

“Me sinto na obrigação de dar um bom exemplo para ela e, nessa, eu me anulo nas relações. Outro ponto é: como posso entrar numa relação com uma filha nos dias de hoje? Não posso colocar qualquer homem dentro da minha casa; tenho medo, pois tenho uma filha adolescente. Não vai rolar mesmo um novo relacionamento; não enquanto ela for adolescente”, Patrícia Chaves, de 49 anos, secretária, do Rio de Janeiro, mãe de Julia, de 16 anos.

A culpa na maternidade

“É um sentimento recorrente: sinto culpa quando um filho adoece, quando tenho que dar uma bronca mais firme, quando não consigo controlar uma situação de sofrimento físico ou psíquico deles”.

Sinto culpa quando tenho que sair para trabalhar e deixá-los sob os cuidados dos outros, quando não posso ir a uma reunião da escola ou evento por estar trabalhando ou mesmo quando estou em momentos de lazer, só comigo mesma. Tudo gera culpa.

“Tenho sentido esse sentimento, hoje, talvez até mais do que quando meus filhos eram pequenos, pois é como se agora eu pudesse ver um pouco do resultado da minha criação. Faço terapia para lidar com isso, mas tento pensar que estou dando o meu melhor. Analiso se realmente errei em algum ponto para consertar e sempre penso que vai passar. Vou vivendo assim: um dia após o outro”, Ketib Kelian Crivaro, enfermeira e idealizadora do coletivo Mães Sol, 40 anos, de Campinas, mãe de João e Heitor, de 13 e 8 anos, respectivamente.

Companhia integral

“Meu filho mais novo tem 11 anos. Como mãe solo, empreendedora e morando longe da família, minha rede de apoio é inexistente. Não confiava e não era interessante deixá-lo com alguém desconhecido, então, me acostumei a levá-lo comigo às reuniões com clientes e nas consultorias que realizava e nas aulas de cursos de aprimoramento.

Hoje, ele tem conhecimentos sobre café que muita gente não tem, de tanto participar como ouvinte. Sei que não é o mais confortável para ele, mas, com tudo isso, meu filho aprendeu a valorizar o nosso tempo juntos. Sou amiga do meu filho e ele se transformou no meu parceiro durante esse tempo.

Hoje, ele se sente à vontade para dar opinião e eu pratico jiu-jitsu com ele e sou voluntária nos escoteiros para fazer mais parte do que ele faz. Como ele mesmo diz: ‘Estamos junto em tudo.'” Karla Lima, de 43 anos, mestre de torra e empreendedora, de Natal, mãe de Guilherme (20) e Yuri (11).

Carreira limitada

“Para sustentar minha família, voltei a trabalhar após 20 dias depois do parto, pois era profissional liberal, e não tive um tempo para me recompor e viver o momento. Hoje a mais nova tem 7 anos e desde bebê me acompanha no trabalho.

A situação ainda é a mesma hoje, porém, minha condição financeira está melhor, apesar de as despesas também terem aumentado, pois hoje os mais velhos estudam em outra cidade. Por isso, nosso estilo de vida mudou muito. Programas que fazíamos antes, como viajar, comer fora, ir ao teatro, enfim, não fazemos mais.

Igualmente não posso me dedicar à minha carreira integralmente, pois todos os cuidados com eles, são meus. Então fico limitada ao que trabalho hoje, sem poder ter uma ascensão profissional.

Depois dos filhos grandes, fomos vivendo outros desafios, como incompatibilidade de horários.

“Quando um estudava no período matutino e a outra, no vespertino, mal dava tempo de pegar um na escola, para a outra almoçar. São desafios simples, mas que as pessoas não observam”.

“Quando tenho que sair para buscar um dos adolescentes em alguma festinha, coloco a pequena no carro dormindo, pois tenho receio de voltarem de carona e não acho justo privá-los de uma vida social. Isso acontece com certa frequência e, às vezes, rola um sentimento de ciúmes ou injustiça, mas vou conversando com eles.

Me tornei quem sou hoje por esses desafios que tive e tenho que vencer. Meus filhos me fizeram forte!” Taís Valéria Hidalgo, 40 anos, engenheira civil, de Apucarana, mãe de Bruno, 19, Gabriela, 15, e Rafaela, 7, anos.

Fonte: Universa/UOL

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