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Metalúrgico que subiu a rampa na posse de Lula é DJ: diálogo na fábrica e recado social no hip hop

Weslley, o DJ Tiu é operário em Diadema, e esteve em Brasília pela primeira vez. Ele espera por mudanças. Antes, “os mais prejudicados não eram consultados”

Adonis Guerra/SMABC
Com macacão da fábrica e boné do grupo, Weslley sabe que o governo não terá facilidades. No rap, ataca os assediadores – Adonis Guerra/SMABC

Quando Weslley Viesba Rodrigues Rocha nasceu, em Diadema, no Grande ABC, Lula já tinha 41 anos e fazia muito tempo que não era mais presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Ele pertence a uma nova geração de trabalhadores da região, que passou por profundas transformações nas últimas décadas. Mas Weslley conhece a história e as histórias. “Minha mãe participou das greves nos anos 80, e ela sempre conversou comigo.”

No primeiro dia de 2023, gerações e trajetórias se encontraram em Brasília. O prensista foi um dos que subiram a rampa do Palácio do Planalto para a posse do mais uma vez presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nunca tinha ido a Brasília – a Praça dos Três Poderes, atacada uma semana depois, ele só tinha visto na TV. Também foi sua primeira viagem de avião.

“Foi uma utopia, vamos dizer assim. Uma inversão da lógica. Pessoas comuns normalmente não estariam ali“, diz Weslley sobre o dia da posse.

Representantes da sociedade

Ao lado do metalúrgico, subiram a rampa o menino Francisco, de 10 anos, nadador, morador de Itaquera, populoso bairro da zona leste de São Paulo. Com ele estava também o cacique Raoni Metuktire, 90, símbolo da defesa dos povos da floresta e da Amazônia. E ainda, a catadora de materiais recicláveis Aline Sousa, mãe de seis filhos; o professor Murilo Jesus, de Curitiba, a cozinheira Jucimara Fausto dos Santos, de Maringá (PR); o potiguar Ivan Baron, que teve meningite viral, causadora de paralisia cerebral. Completando o grupo, estava o artesão Flávio Pereira, de Pinhalão (PR). Representantes da população brasileira, que foram dar posse ao presidente Lula. “Conheci eles umas duas horas antes. Alguns já estavam em Brasília, caso do Ivan. Trocamos um papo lá, de onde veio, o que estava representando”, lembra Weslley.

Ele representou o trabalhador, da categoria de onde saiu o próprio Lula, nos tempos do carrinho de som, da vigilância e violência da ditadura e também de mais emprego. “O pessoal conta que você estava andando na rua e passava uma van perguntando se você podia trabalhar.” Hoje, o ensino médio é uma exigência mínima.

Operador de guilhotina e prensista, Weslley trabalha na Delga, de Diadema, há dois anos. Já fez diversos cursos profissionalizantes na Escola Dona Lindu (nome da mãe de Lula), criada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “Entrei muito novo na indústria”, conta o operário, no setor há 18 anos. Antes, trabalhava com tios montando móveis. Casado, tem dois filhos, de 3 meses e 18 anos.

Acampamento no quartel

Weslley conta que não houve tempo para falar com o presidente. “Foi tudo cronometrado. Eles sincronizaram para que o nosso percurso se encontrasse com ele.” Depois da posse de Lula, o grupo seguiu para a recepção no Itamaraty, mas quando o presidente chegou, Weslley já tinha saído. Em Brasília desde a tarde de 31 de dezembro, ele e a família voltaram para São Paulo no dia seguinte. Já na terça, o metalúrgico voltou à fábrica, após um período de férias coletivas.

A posse de Lula, com Weslley à direita, ao lado de Ivan. Metalúrgico acredita em mudanças com participação socia (Foto: Ricardo Stuckert)

O rápido passeio por Brasília incluiu um lugar nem um pouco turístico, mas emblemático dos últimos tempos. “Eles até mostraram um ponto que tinham uma pessoas concentradas num complexo militar”, lembra Weslley. “Eu jamais imaginei que ia acontecer aquilo (ataques) depois, que eles iam conseguiam chegar até ali.”

Se fosse com sindicato…

Também chamou a atenção do trabalhador certa facilidade encontrada pelos manifestantes, principalmente considerando o tratamento habitual dado a movimentos que vão protestar. “Manifestação com professor, sindicatos, você sabe que o tratamento é ríspido. Se fosse a gente ali, tinha morrido gente, tinha tomado tiro. Espero que a responsabilidade de cada um nesse ato seja cobrada.”

Se esse tipo de coisa tem hora para acabar, por outro lado a luta de classes sempre vai existir, diz Weslley. “Luta é pra vida toda, como diz o (poeta) Sérgio Vaz.” Sobre suas expectativas para o governo Lula, ele acredita que, se for posto em prática o que a ministra Marina Silva afirmou em Davos sobre a defesa da Amazônia, e o ministro Fernando Haddad falou sobre taxação de grandes fortunas, já haverá um considerável avanço.

Da fábrica para o aplicativo

O importante para Weslley é que as mudanças aconteçam pelo diálogo, diferente do que aconteceu nos últimos anos, com as “reformas” trabalhista e previdenciária, além da lei da terceirização irrestrita. “Quem era mais prejudicado, os trabalhadores, não foi consultado. Facilidade não terá, mas tem que acreditar. O que a gente tem certeza é que os setores desenvolvidos vão ser chamados para conversar.”

Nos últimos tempos, o que mais se viu é gente migrando para o trabalho em aplicativo para sobreviver. Foi o que aconteceu com muitos metalúrgicos, inclusive, ainda mais com o fechamento de fábricas como a da Ford, entre outros. Mas isso acontece mesmo entre o pessoal que permanece no setor, conta Weslley, que tem muitos colegas nessa situação. “Hoje em dia até as pessoas que trabalham registradas. Saem do emprego e vão complementar renda (como motorista ou entregador). O cara trabalha 20, 18 horas por dia.”

O recado pelo rap

Em seu local de trabalho, a Delga, fornecedora de peças para o setor automobilístico, existe respeito com a representação dos trabalhadores, diz Weslley. “A direção entende que o sindicato não quer prejudicar a empresa. Mérito dos meninos do comitê (sindical), os que estão lá e os que vieram antes e construíram isso. Há um diálogo, respeito, e isso é bom pra todo mundo.”

Weslley não é corintiano como o presidente. Tinha e tem simpatia pelo Santos, mas aos poucos sua atenção se desviou para outro campo. “Fui muito radical na adolescência. Entrei nesse negócio de hip hop, aí parei de acompanhar o futebol”, conta Weslley. Ou melhor, o DJ Tiu, que na rampa fez questão de usar o boné “para ter estética da periferia”. Ele integra o grupo de rap A Fallange. Ele só lamentou não ter sido procurado, após a posse, por nenhuma mídia do movimento.

Mas continua dando o seu recado, na vida, na fábrica e na arte. O trabalho mais recente é Assédio Cultural. “Quem assina as composições é meu amigo Rodrigo (Digão). Eu faço as batidas. Fazemos tudo de maneira independente, mixagem, masterização.” Assédio trata de uma questão ainda muito presente, abordando uma sociedade “cheia de homens sem controle emocional da masculinidade” e uma realidade de violência. Confira aqui.

Fonte: Rede Brasil Atual

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